A equipe de atores do grupo Ventoforte em uma cena de sua História de Lenços e Ventos

Matéria publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 17.04.1976

 

 

 

 

Barra de Divisão - 45 cm

Lenços e Ventos de Volta

Trata-se do maior sucesso do teatro infantil nos últimos anos (publica e de crítica). A peça estreou em fevereiro de 1974, em Curitiba. No mesmo ano, após vitoriosa temporada carioca, História de Lenços e Ventos foi o único espetáculo a receber a “recomendação especial” da Associação Carioca de Críticos Teatrais. Aplaudida nos vários Estados onde já se apresentou (Rio, Minas, Paraná, Bahia e Distrito Federal) está de volta ao Rio para uma temporada de três meses, no Teatro Gláucio Gill. Depois, viajará pelo interior do Estado, a convite do Departamento de Cultura. Vale a pena levar as crianças para ver as aventuras de Azulzinha. E ficar ao lado delas, prestando a máxima atenção.

O fenômeno de comunicação, sucesso e explosão de talentos com História de Lenços e Ventos, de Ilo Krugli, só encontra paralelo, hoje, com Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado. Esta montagem, mostrada Central.originalmente nos começos de 1974, no Festival de Teatro Infantil de Curitiba, vem atravessando os meses com sua poesia tão significativa, com seu deslumbramento tão simples.

As plateias, tanto de crianças como de adultos, continuam a envolver-se magicamente com as aventuras do lenço Azulzinha, e esse público é o mais variado possível: tanto as crianças dos apartamentos fechados de Copacabana como as que brincam livres nos espaços abertos do Planalto. É uma plateia do Rio, de Salvador, de Brasília, de Curitiba, de Ouro Preto e de São João Del Rey – cidades já visitadas pelo espetáculo e que sempre o acolheram com muitos aplausos. Qual seria para o diretor e autor Ilo Krugli, a razão de um sucesso tão excepcional.

– Concordo, em que História de Lenços e Ventos seja excepcional. É excepcional para mim, inclusive. Mas não sei dizer por quê. Talvez porque sintetize muitas experiências minhas, talvez porque tenha sido feito com um amor excepcional. Era uma fase muito importante da minha vida. Por exemplo: eu dava aulas de criatividades para professores em Nova Iguaçu. Sentia como a realidade terrível de Nova Iguaçu, massificando o individuo, tinha muito a ver com o espetáculo. Alias, esse é um ponto de discussão que surge sempre com a plateia, após as apresentações – a dor de ver a cidade grande se impondo, crescendo e sendo uma manifestação definitiva contra os quintais, contra as casas. Eu não saberia explicar exatamente o porquê do sucesso. Mas hoje, inclusive, Azulzinha tem elementos muito mais claros para mim. O lenço que tem o desejo de brincar com o vento era o inicio, para mim, uma energia inconsciente. Agora o sentido da ideia já está mais elaborado dentro de mim. É a energia da liberdade do homem, de sua criação, de sua melhoria de vida, de sua capacidade de se expor, de ir5 com o vento. Quando Azulzinha é solta, no final, eu agora, tenho plena consciência do significado desta ação: ela tem que continuar voando. O homem tem que se permitir voar.

Apesar do sucesso indiscutível do espetáculo, os integrantes do grupo Ventoforte fazem avaliações constantes do trabalho realizado. Atualmente, debatem a melhor forma de se relacionarem com o público na hora em que as crianças são solicitadas a dar soluções para o problema causado pelo aprisionamento de Azulzinha. Houve ocasiões em que os atores foram acusados de rejeitarem as sugestões das crianças. Acontece porem, explicam, que às vezes as sugestões infantis estão já estruturadas em visões deformadas sobre a realidade:

– A peça está propondo uma abertura e, muitas vezes, a criança propõe uma solução de fechamento. Na hora da crise final, já recebemos sugestões como: 1) deixa pra lá, acaba com essa história e vamos fazer outra história bonita; 2) vamos entrar pela porta dos fundos; 3) vamos chamar a polícia. Acontece que o que a peça propõe é, exatamente uma solução criativa: Não há interesse em se alienar do problema e inventar outra história; da mesma forma, entradas escondidas pelas portas dos fundos não devem ser estimuladas; e, finalmente, a situação proposta não é uma ocorrência policial. Então, estamos discutindo, ainda – e os elementos da discussão surgem através da feitura constante do espetáculo e do contato com o público – a melhor maneira de transar com as crianças.

O que não é muito fácil. Segundo os atores do Ventoforte, “as crianças de apartamento participam mais que as crianças de quintal, mas sua participação é aflita, agressiva, angustiada”. Geralmente, observam eles, são crianças reprimidas dentro de seus apartamentos, “que não podem pegar nada”. E os pais, que proíbem seus filhos de mexer nas coisas dentro de casa, estimulam as crianças a mexer em tudo dentro do teatro:

– Às vezes, realmente, é mais difícil transar com os pais. Um dia, uma criança começou a dar sugestões e pai dizia no ouvido dela as sugestões que o próprio queria fazer. Como ela manteve sua opinião, ele simplesmente tapou a boca da filha com a mão.

Depois desse maravilhoso exemplo de liberdade de expressão, pergunto ao grupo o porquê da remontagem de História de Lenços e Ventos, principalmente quando se sabe que o Ventoforte já tem definidos dois projetos de montagem para este ano: um espetáculo baseado em Garcia Lorca e outra peça de Ilo Krugli, A Tempestade de Ouro e Prata.

Recebemos um convite para viajar pelo interior do Estado, feito pelo Departamento de Cultura. Achamos que História de Lenços e Ventos era o espetáculo mais adequado para isso. Além de ser muito solicitante no sentido criativo, é uma montagem muito simples, com pouco material para se transportar. E também, um espetáculo que nós curtimos muito fazer. E, desde que ele saiu de cartaz, ano passado, muitas pessoas nos têm perguntado se não vamos remontá-lo. Nós, em principio, tínhamos a preocupação de fazer apenas a viagem, mas decidimos realizar uma temporada no Rio também, sobretudo para manter o grupo trabalhando, antes de começarmos os dois outros projetos. É importante que não percamos o ritmo de trabalho.

De modo que História de Lenços e Ventos acaba de retornar ao Rio depois de uma temporada em Brasília, patrocinada pela Fundação Cultural do Distrito federal. A programação constou de duas apresentações na cidade satélite de Taguatinga (uma para crianças, uma para adultos) e de mais três no Teatro Galpão, em Brasília. O grupo fala sempre com muita animação sobre a viagem a Brasília – “um enriquecimento muito grande, uma experiência fascinante”.

O público carioca poderá ver ou rever o espetáculo no teatro Gláucio Gil, as 15h30, aos sábados e domingos. Nesta remontagem, o elenco é formado por Beto Coimbra, Ilo Krugli, Paulo Cezar Brito, Pedro Veras, Regina Costa, Sérgio Fidaldo, Silvia Aderne, Tarcísio Ortiz e Walquiria Alves. Na produção estão José Mário Tamas e José Altino; a iluminação é de Jorginho de Carvalho e a música, de Beto Coimbra, Caíque Botkay e Ilo Krugli.

As bem-vindas doações

Ao iniciar sua carreira, há mais de dois anos, História de Lenços e Ventos contava com cinco atores e tinha 60lenços à sua disposição. Hoje o espetáculo tem nove atores e cem lenços. De atores o grupo Ventoforte não está precisando. Mas, informam seus integrantes, doações de lenços (de todos os tamanhos) serão sempre bem recebidas e devidamente agradecidas com largos sorrisos nas caras pintadas dos atores.