Marco Camarotti

 

 

 

 

 

 

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Tendo surgido no Brasil neste século, o teatro infantil tinha, a princípio, um caráter predominantemente pedagógico e patriótico. À frente dele estavam educadores que se preocupavam apenas em fazer crianças recitarem pequenos textos, para o encanto do público adulto que os assistia, constituído basicamente por parentes e amigos dos pequenos atores.

Só a estreia de O Casaco Encantado, de Lúcia Benedetti, no Rio de Janeiro, em 1948, e a fundação, em 1951, de O Tablado, por Maria Clara Machado, além das ações empreendidas por pessoas como Júlio Gouveia e Tatiana Belinky, em São Paulo, fariam o teatro infantil ganhar relevância como produto artístico, representado por atores adultos. Passando então para a responsabilidade de artistas e empresários, o teatro infantil chegou, principalmente a partir da década de setenta, a conquistar grande interesse e desenvolvimento.

Nos estados do Nordeste a situação não parece ter sido muito diferente. Nesse mesmo período, ele se tornou uma realidade cada vez mais viva, não apenas nas capitais, mas também em muitas cidades do interior. Em Recife, um dos principais pólos de produção teatral do país, as últimas décadas têm-se caracterizado por um grande número de produções para o público infantil, superando em número aquelas destinadas ao público adulto.

O teatro infantil representado por crianças foi iniciado no Recife pelo Grêmio Cênico Espinheirense, dos irmãos Augusto e Coelho de Almeida, estreando em 5 de março de 1939, com o espetáculo Branca de Neve e os Sete Anões, numa adaptação de Coelho de Almeida. Seu exemplo logo seria seguido pelo Grupo Gente Nossa, que havia sido fundado por Samuel Campelo em 1931, e do qual iria nascer mais adiante o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP). Valdemar de Oliveira, fundador do TAP, ainda quando integrante do Grupo Gente Nossa, criou o Theatro Infantil de Pernambuco, com o qual encenou, entre 1939 e 1941, três operetas infantis de sua autoria: Terra Adorada, A Princesa Rosalinda e Em Marcha, Brasil. Embora, como os irmãos Almeida, trabalhasse tão somente com atores crianças, Valdemar de Oliveira já defendia naquela época que o teatro infantil deveria ser feito também por atores adultos.

Em 1948 foi criada em Recife uma Divisão de Extensão Cultural e Artística, órgão do Governo do Estado que, juntando professores e artistas, fundou o Teatro do DECA. Este, tendo origem no Serviço de Teatro Escolar, veio a crescer de tal modo que chegou a ser considerado um excelente grupo de teatro amador. Dividindo suas atividades entre o teatro para crianças, o teatro para adolescentes e o teatro de bonecos, o grupo montou diversos espetáculos, a exemplo de A Bruxinha que Era Boa, de Maria Clara Machado, Josefina e o Ladrão, de Lúcia Benedetti e A Revolta dos Brinquedos, de Pernambuco de Oliveira. Sob a direção de nomes fundamentais para a história do teatro e da educação em Pernambuco, tais como Valter de Oliveira, Beatriz Ferreira e Maria José Campos Lima, e apresentando-se em escolas, orfanatos e praças públicas, o Teatro do DECA marcou época no teatro infanto-juvenil em Pernambuco.

Da mesma forma, o Movimento de Cultura Popular (MCP), outro órgão do governo estadual, fundado em 1960, teve o seu grupo de teatro (Teatro de Cultura Popular do MCP), do qual surgiram atores que alcançariam depois projeção nacional, como é o caso de José Wilker e Nelson Xavier. De curta duração, pois logo foi extinto pelo golpe militar de 1964, o Teatro do MCP realizou também espetáculos para crianças. Entre eles, A Volta do Camaleão Alface e O Boi e o Burro no Caminho de Belém, textos de autoria de Maria Clara Machado.

Foi ainda na década de sessenta que o teatro infantil começou a se afirmar como uma atividade artístico-profissional em Pernambuco. Em 1966, em sua sede própria da Av. Conde da Boa Vista, o Teatro Popular do Nordeste (TPN), que fora fundado na década anterior por Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna, encenou A Revolta dos Brinquedos e, no ano seguinte, O Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado, ambas sob a direção de Rubens Teixeira.

Nesse mesmo período, no TPN, o Teatroneco do CECOSNE (Centro de Comunicações Sociais do Nordeste) realizou sua temporada de estréia, dirigido por Hermilo Borba Filho, com um espetáculo composto por três peças curtas: A Ponte Quebrada, de Seraphin, Haja Pau, de José de Morais Pinho e A Cabra Cabriola, de Hermilo Borba Filho. Vale a pena observar que o teatro de bonecos, como já acontecera entre as formas de teatro folclórico praticadas pelo povo do Nordeste, tem, desde então, ocupado um lugar de grande expressão no teatro pernambucano.

Referência especial cabe a duas companhias que podemos apontar como as consolidadoras do teatro infantil em Pernambuco: o Teatro da Criança do Recife e o Clube de Teatro Infantil de Pernambuco, as quais, organizadas nos anos sessenta, estenderiam suas atividades pela década seguinte.

O Teatro da Criança do Recife, fundado por Rubens Teixeira e Wellington Luís, em 1966, passando algum tempo mais tarde para as mãos de Paulo de Castro, no seu início realizava espetáculos apenas em escolas, raramente apresentando-se em teatros. Só posteriormente passaria a realizar também temporadas fixas. O TCR montou grandes sucessos, dentre os quais destacamos A Revolta dos Brinquedos, Maria Minhoca, de Maria Clara Machado, A Duquesa dos Cajus, de Benjamin Santos, e O Pirata Tubarão, de Rubem Rocha Filho.

Já o Clube de Teatro Infantil, fundado por Leandro Filho e Oto Prado, teve como sede o Teatro do Parque, no centro do Recife, funcionando com características semelhantes às de um clube, pois as crianças recebiam carteiras de sócio e, com estas, passavam a pagar apenas a metade do valor do ingresso para os espetáculos realizados pelo Clube. O Clube de Teatro Infantil promoveu inúmeras montagens. A primeira delas, estreada em julho de 1967, foi O Consertador de Brinquedos, de Stella Leonardo, à qual seguiram-se Uma História para o Conde Gato, de Leandro Filho, Asteróide 007, de Oto Prado, O Fantasma Azul, de Isa Fernandes e Leandro Filho, Lute, Ratinho, de Leandro Filho, A Coragem da Formiguinha Fifi, de Isa Fernandes, e várias outras. Um detalhe interessante a observar é o trabalho experimental que o Clube de Teatro Infantil implantou, primeiro no Teatro do Parque, depois em escolas, através de convênio com a Secretaria de Educação do Estado. Experiência que consistia em recolher histórias criadas pelas crianças e, com a participação direta destas, desenvolver improvisações a partir dessas histórias.

Nos anos setenta aconteceu o que poderíamos classificar como uma espécie de boom do teatro em Pernambuco, o qual, em medida bastante relevante, atingiu também o teatro para crianças. Surgiram novos autores, diretores e produtores, alguns deles dedicando-se quase que com exclusividade ao teatro infantil. Descoberto este como um atraente filão comercial, multiplicaram-se as companhias a ele dedicadas. Nas duas últimas décadas, sobretudo, tornaram-se cada vez mais numerosas as produções. Dessas, infelizmente, só uma parcela minoritária tem apresentado qualidades do ponto de vista artístico-pedagógico, fazendo jus à célebre frase de Stanislavski: “O teatro para crianças tem de ser igual ao teatro para adultos, só que melhor”.

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Texto de Marco Camarotti (*)
(*) Ator, encenador, escritor e arte-educador. Mestre em Teoria da Literatura (UFPE) e Doutor em Teatro (University of Warwick – Inglaterra). Professor do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da Universidade Federal de Pernambuco. Autor dos livros: A linguagem no teatro infantil, Diário de um corpo a corpo pedagógico, Resistência e voz: o teatro do povo do Nordeste, O palco no picadeiro: na trilha do circo-teatro.

Obs.
Em nossa página REVISTAS COMPLETAS  você poderá encontrar a História do Teatro para Crianças no Recife – 60 anos de história, pesquisa realizada por Leidson Ferraz.