Matéria publicada na Tribuna da Imprensa
Por Telma Alvarenga – Rio de Janeiro – 27.01.1987

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Grafitti Coração: Romeu e Julieta na badalação do Rio

Um grupo de jovens acaba de chegar ao Circo Despertar (ao lado do Planetário da Gávea) para contar uma história de amor livremente inspirada em Romeu e Julieta, de Willian Shakespeare, Grafitti Coração, de Bernardo Horta, que também assina a direção, e Marcos Milone, responsável pela sonoplastia, é um Romeu e Julieta à moda de hoje, com lanche no Chaika, festa na Help, namoros e brigas.

A peça retrata o universo adolescente da classe média carioca e mostra a realidade das “galeras”, grupos organizados de jovens entre 12 e 20 anos de idade que, além de pintar o sete pelas ruas da cidade.

Para escrever o texto do Grafitti os autores dedicaram meses a pesquisa sobre essas gangues, realizando, inclusive, entrevistas com o pessoal das “galeras” de bairros da Zona Sul carioca, que eles chamam de “tribos urbanas”, absorvendo seus jeitos e trejeitos, as gírias, gestos, procurando decifrar os códigos internos, enfim, realizando um trabalho que o diretor define como “semijornalístico”. Além disso, mergulharam profundamente em Shakespeare, autor teatral que eles definem como “o melhor” e que, segundo Bernardo Horta, escreveu Romeu e Julieta como um presente para a humanidade. “Ele, mesmo aparentando estar ultrapassado, clichezando, não está. Cada vez que você lê Romeu e Julieta, você pira.”

Grafitti Coração é fruto desses estudos, que incluíram pesquisas de artigos publicados em jornais sobre as gangues de bairros, além de sete meses de ensaios e muita batalha para a conquista de um espaço e de um dinheiro para a produção. “Não foi fácil, mas queríamos muito realizar este projeto, mas finalmente conseguimos”, comenta o diretor.

Na peça, Julieta é Julia (Paloma Riani) e Romeu é Rodrigo (Daniel Herz). A sociedade não émais a de quatro séculos atrás, mas o ponto de partida se para discutir e refletir sobre, o universo adolescente da classe média carioca, “marcado pela violência e falta de perspectivas”, na conclusão dos autores, é o mesmo da tragédia Shakespereana: o amor entre os dois jovens. Na opinião de Bernardo Hortam: “O mesmo amor do século XVI, só que nas condições de uma menina de 14 a de um menino de 16, numa sociedade que não é mais trágica, e sim dramática.

Apesar da adaptação bastante livre, os autores estabeleceram uma série de analogias com a tragédia de Shakespeare. Além da semelhança nos nomes de alguns personagens, a estrutura do texto é bastante fiel e, mesmo definindo a peça como uma explosão – um misto de bangue-bangue e “sessão da tarde”, tragédia e dramalhão, vídeo clip e muita ação – Bernardo garante que ela é uma”neta fiel” de Shakespeare”. A briga entre as famílias em Romeu e Julieta é simbolizada pela rivalidade entre as “galeras” GB (Galera do Bairro), da qual Rodrigo faz parte, e GP (Galera da Praça), dos amigos de Júlia. A festa dos Capuletto é a festa na Help, onde os dois se conhecem e se apaixonam: a cena do Balcão é a cena em que Rodrigo sobe um poste para falar com Júlia, que está na janela do seu apartamento; a morte de Teobaldo, primo de Julieta, é o atropelamento de Téo, primo de Júlia, causadopor Rodrigo. E por aí vai.

O espetáculo é repleto de símbolos e se propõe a ser um estímulo a treflexão.

Na peça você vai ver a geração que grafita,como ela vive, o que ela pensa e porque necessita da marginalidade. Jovens que começam realizando pequenos pequenos furtos aos 12 anos de idade  se retardam nesta adolescência até os 23, 24 anos, quando partem para roubos maiores. Assassinatos e espancamentos já não são raros entre os filhos da classe média o diretor do Grafitti, e vai mais além:

– Quem sabe essa violência não é geradea por uma completa falta de participação em uma sociedade consumista, onde o objeto do desejo se torna ideal, não palpável? É uma geração completamente transloucada. Eles precisam de atenção, então picham. Aquele que pichou um camburão, passa a ser chamado de rei. É uma geração que não tem noção da gravidade dos seus atos, animada pela impunidade. Que geração é essa, filha de um poder completamente cego, que não tem noção de comunidade, de construção social, de projeto humano, pessoal, profissional?Autoritário é você matar e não ser punido.

Se em Romeu e Julieta os protagonistas têm uma morte trágica no fim da peça, os autores de Grafitti Coração optam por um outro ritual de morte, a morte amorosa, simbolizada na renúncia. Segundo o diretor, este desfecho já está causando polêmica mesmo antes da estreia. Ele explica:

Há quem considere o final conservador. Mas será que pensar é conservador? Eu quero essa polêmica no final do espetáculo.

O elenco de Grafitti Coração é formado por Adriano Marçal, Ana Borges, Arildo Figueiredo, Beth Lamas, Daniel Herz, Derinho de Carvalho, ìsio Ghelman, João Salles, Joaquim Vidal, Luiza Silveira, Paloma Riani, Ronaldo Santos e Toth Rezende.