O elenco do Faça do Coelho Rei, que estreia breve no João Caetano

Matéria publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 20.06.1976

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Em Julho todo dia será dia de Teatro Infantil

Em julho as crianças cariocas terão teatro infantil todos os dias, com a temporada da peça Faça do Coelho Rei, no Teatro João Caetano. O que vem caracterizando esta montagem é o complexo e ambicioso plano de produção desenvolvido desde fevereiro, tanto nas promoções paralelas, seminários, desfiles, exposições de arte infantil, etc., como no levantamento dos endereços de todas as escolas do Rio, e até na distribuição de ingressos gratuitos para os pais.

Com um bom “handicap”, o projeto tem Luiz Mendonça na direção da peça e, na coordenação geral da produção, Rodrigo Farias Lima, nome que vem se firmando depois de suas realizações no teatro para adultos: Viva o Cordão Encarnado, Mumu e Lampião no Inferno.

Pedro Porfírio, autor e produtor de Faça do Coelho Rei, revela, nesta entrevista, todas as fases desses cinco meses de trabalho que envolveu muita gente e diversos órgãos públicos e particulares, para lançamento de um produto destinado a crianças em nível cada vez mais profissional.

Ou: Quando Fazer Peças Para Crianças Deixa de Ser Tarefa de Amadores

O observador percebe que, de repente, há uma injeção de dinheiro no teatro infantil. As produções começam a ser estruturadas em bases mais sólidas. A Verdadeira História da Gata Borralheira, de Maria Clara Machado, que estreou neste final de semana no Casa Grande, teve sua produção orçada em Cr$ 100 mil.

Numa entrevista recente do diretor-produtor Wolf Maya, publicada na coluna de Teatro Infantil, ele questionava a possibilidade de recuperação do dinheiro empregado, na medida em que o empresário só pode contar com duas sessões semanais. Com esse problema na cabeça e preocupado com um teatro infantil em bases profissionais, Pedro Porfírio volta, este ano, a uma experiência já realizada com sucesso: o teatro infantil diário durante as férias de julho, no João Caetano, um teatro de 1.300 lugares.

Este é um projeto ambicioso. O dinheiro investido será recuperado? Como encher diariamente o João Caetano? Num sistema semiprofissional em que os atores do teatro infantil são pagos com cachês vergonhosos, como manter um elenco de dez pessoas com salários mensais, INPS e Fundo de Garantia? A produção do Faça do Coelho Rei começou a trabalhar em fevereiro para uma peça que só estrearia em julho.

Hoje, a 15 dias da estreia, ainda não posso avaliar a qualidade do espetáculo.

Posso dizer, apenas, que essa foi uma das produções mais bem cuidadas de que tomei conhecimento no setor de teatro para crianças.

– Porfírio, em quanto está orçada a produção de Faça do Coelho Rei?

– Só no dia 1 de julho quando a peça estrear, é que será possível dizer o seu custo. Os gastos devem estar por volta de Cr$ 80 mil. Por enquanto é difícil calcular o que representou todo esse trabalho iniciado em fevereiro. O que se pode dizer é que, naquele momento, ficou decidido que seriam superados todos os obstáculos a uma realização de nível profissional. E ficou decidido, também, que essa produção teria de extrapolar o teatro, convertendo-se num acontecimento marcante para a cidade. Para mim, realizar um espetáculo absolutamente profissional tornou-se quase uma obsessão. Hoje, podemos dizer que não falta nada. Temos um diretor respeitadíssimo, Luiz Mendonça; um diretor musical de grande sensibilidade, Paulo Romário; um coreógrafo criativo, Renato Castelo; um cenógrafo com currículo excepcional como artista plástico, Emanuel Bernardo; um figurinista competente, Laerte Thomé; um bom aderecista, Albee Amós, uma boa programadora visual, Barbara Duque e um diretor assistente saindo da Escola de Teatro, FEFIERJ, Zé Maria Rodrigues.

Essa equipe de direção está montada desde março, quando a equipe de produção já tinha reservado o João Caetano. A primeira providência é sempre reservar o teatro e, para o tipo de trabalho que realizamos há poucos teatros em condições de montagem de nossa peça. É que, além de precisarmos de muitos lugares, para cobrar ingressos baratos, também precisamos de espaço para os exercícios de criação, com o que as crianças podem participar do espetáculo naturalmente, sem apelações e artificialismos.

– Vocês conseguiram muitas coisas gratuitamente?

– Produzir, em teatro infantil, quer dizer, em primeiro lugar, conseguir as coisas. E não foi fácil. Toda semana nos reuníamos em torno de uma pauta de contatos. Cada um de nós saía com três, quatro cartas na mão, em busca de alguém que se sensibilizasse e acreditasse na importância do teatro infantil. E foram poucos os que acreditaram. Conseguir os ingressos, por exemplo, foi bem difícil.

– De onde surgiu a ideia do ingresso gratuito para os pais?

– Nossa ideia inicial era encontrar uma forma inteligente de mobilizar  o público, assegurando a presença de pelo menos 20 mil pagantes. Porque só essa presença garantiria o retorno do investimento e cobriria, com uma certa remuneração do trabalho de produção, as despesas de manutenção. Imaginamos então distribuir o maior número de ingressos gratuitos de adultos que fosse possível. Era preciso deixar os pais desarmados, porque muitos deles dificultam o acesso da criança ao teatro. Para eles, levar os filhos ao teatro é quase um sacrifício ou então, uma saída por ter que lidar com eles no fim-de-semana. Daí que muitos pais encontrados em teatro para crianças são desquitados.

– Falemos do elenco. Valeu a pena a escolha por teste?

– Com essa forma de seleção foi possível conhecer atores com tantas virtudes, dos quais eu pessoalmente só conhecia o William Gonzalez e o Breno Bonin.

Dos 45 candidatos, selecionamos dez, depois de uma reunião que levou oito horas. Pelo menos 30 dos atores que se apresentaram eram muito bons.

O Rodrigo se encarregou de contatar os músicos. Ele já havia indicado o Paulo Romário para a direção musical e convidou o grupo Pomar, ao qual o Paulo pertence, para participar. Eram oito músicos ao todo e tivemos que fazer uma proposta em bloco porque um espetáculo infantil não comportava tantas despesas. O pessoal do Pomar foi de grande compreensão. O diretor musical acabou resolvendo ficar com 5 músicos, o que nos permitiu melhorar o salário de cada um. Sabemos que ainda é irrisório, em comparação com o valor que têm. Como ainda é irrisório o dos atores. Estes, porém, ganham por mês, têm Fundo de Garantia e essas obrigações todas, que não são favor, mas que são novidades num setor que se paga ao ator por cachê. Teoricamente, então, o espetáculo estava totalmente atendido.

Aprontamos os figurinos bem antes da estreia para fazer a foto do programa. Nosso programa será a cores.

– Fale um pouco sobre as promoções paralelas.

– Restava, finalmente, cuidar disso. Cumprir com aquele compromisso de fazer algo mais que o teatro. Graças ao apoio do Sesc, do Departamento de Cultura do Município, do SNT e do GLOBO, montamos o seminário sobre a importância do teatro na formação da criança, com 16 expositores e 272 professores inscritos. O êxito do seminário superou todas as expectativas. É bom frisar que não havia qualquer relação do Seminário com a minha peça. Mas nós pretendíamos através dele despertar as pessoas e, no caso, educadores, órgãos públicos e particulares, para a ligação entre criança e teatro.

Depois, partimos para a manhã de criatividade realizada domingo passado na Rua Lauro Muller. Uma maravilha, com as crianças pintando um muro imenso sob a orientação de recreadores do SESC. Dia 26, sábado que vem, promoveremos o desfile de abertura da campanha Nas Férias, Marque Encontro com o Teatro. O trajeto será da Tijuca até a Zona Sul, com término no João Caetano. Já temos a confirmação dos grupos Ventoforte, Ilo Krugli; Casa de Ensaio, Sylvia Orthof; Quintal, Maria de Lourdes Martini; Gibi, do Departamento de Cultura do Município e dos atores de A Verdadeira História da Gata Borralheira.  Os grupos desfilarão com seus figurinos em carretas cedidas pela Riotur. As atividades prosseguirão no domingo, dia 27, quando os personagens da peça se apresentarão para as crianças que estiverem presentes na Quinta da Boa Vista. Ou, como a peça trata de bichos, para as que estiverem presentes no Jardim Zoológico. Dia 29, na Morada-2, Rua Marquês de Abrantes, 82, será inaugurada a exposição de arte infantil, com o tema Faça do Coelho Rei. As crianças expositoras fazem parte dos centros de atividades do Sesc. Elas já conhecem a peça e estão realizando trabalhos sobre o personagem principal. Cada atividade dessa tem uma história bem mais longa, que não dá para ser contada aqui. Agora, parece fácil, com tudo já obtido, mas tudo tem sido muito difícil e, na realidade, as coisas só têm sido possíveis porque três pessoas acreditaram no projeto: Ubiratan Correa, do Sesc; Martinho de Carvalho, do Departamento de Cultura do Município, e Orlando Miranda, do SNT.

Cada vez que aparece um problema, e aparecem vários a toda hora, um desses três é acionado. E sempre conseguimos as soluções. Só esperamos que tudo isso tenha dado num bom espetáculo. E é para isso que ensaiamos todas as tardes. Além da mais que qualificada equipe de direção, com Mendonça liderando, temos um elenco altamente consciente do projeto.