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Muitas são as discussões sobre a formação de público para o Teatro. No entanto, o uso da própria palavra “público”, neste contexto, é uma contradição. Segundo o dicionário Aurélio, público significa “…destinado ao povo”, mas especificamente no caso do Teatro, este “público” restringe-se a uma parcela tão ínfima de nossa população, que talvez fosse mais adequado falar de formação de privado.

A verdadeira e essencial formação de público para o teatro, de uma maneira geral, está no fomento de uma produção teatral para infância e juventude comprometida com a qualidade artística, que estimule debates e questionamentos sobre o homem e seu meio, tal como nas artes plásticas e na literatura.

Talvez o principal motivo da total falta de interesse dos governantes, da sociedade, e da própria classe artística sobre o tema, teatro infantil, seja o fato de terem sido privados de assistir espetáculos teatrais durante sua própria infância.

Como mensurar a importância do teatro voltado para um público específico, se o pressuposto usual é de que se trata de uma arte menor, um estágio para fazer teatro para adultos? Talvez, ao invés de significar teatro para a população infantil, a expressão tenha adquirido outro significado, o de teatro “feito por crianças”, em uma referência a um estágio imaturo da atividade artística.

O exame de uma situação específica, como a de São Paulo, torna evidente um contexto absoluta, e absurdamente, adverso para a oferta de espetáculos teatrais infantis de uma maneira geral, e especificamente os de qualidade, que correspondam ao que esta população realmente merece e necessita.

Das 30 peças em cartaz na cidade, em fevereiro de 2005, apenas uma tem patrocínio financeiro “real”, e apenas oito são indicadas pela crítica. Em 1989, segundo pesquisa da ECA/USP, havia 90 espetáculos infantis em cartaz e, em 1991, ocorreram 80 estréias e 31 remontagens de espetáculos destinados ao público infantil, a maioria sem patrocínios (Claro!), segundo o professor Clóvis Garcia, docente da ECA/USP responsável pelo estudo, que foi publicado na Revista da USP – número 14/1998. Nas décadas de 80 e 90 a média dos espetáculos em cartaz na cidade de São Paulo foi de 100 espetáculos por semestre.

Atualmente, das 30 peças em cartaz na cidade, a média geral de público de espetáculos sem condições de realizar publicidade, ou seja, sem recursos para pagar anúncios, sendo que os de pequeno porte custam, em média, R$ 1.500,00 cada, é de 20% da casa, com ingressos que variam de R$ 5,00 a R$ 15,00.

Um pequeno cálculo otimista pode ajudar a ilustrar a situação na qual está mergulhado o teatro infantil: se um anúncio custa aproximadamente R$ 1.500,00, quantos ingressos devem ser vendidos para pagá-lo? Ao valor integral de R$ 15,00, será necessário vender 100 ingressos para pagar este tipo de anúncio, dos mais modestos! Considerando que 100 ingressos são mais de 20% da lotação de uma casa de espetáculos, ou até a totalidade da casa e que o risco da falta de público é uma constante, torna-se inviável qualquer possibilidade de anúncios nestas condições. Desta forma, as produções ficam rendidas aos roteiros e aos espaços disponíveis na mídia.

A situação de espetáculos de maior porte não é muito diferente. Dirijo um espetáculo infantil que está em cartaz e pode ser considerado como de sucesso, com anúncios semanais em um dos principais jornais da cidade, fruto de uma parceria de permuta (e não patrocínio): a média de público é de 30% da casa, sendo que com muito empenho e sacrifícios executando mídia alternativa, em alguns momentos, é alcançado até 40% da ocupação total da casa.

Como se trata de teatro infantil, não pode faltar a moral da história: ruim com anúncios, pior ainda sem eles!

Mas a gravidade desta situação é ainda maior, considerando o que hoje pode ser observado em relação a iniciativas de aproximação de teatro e escola, como o “Projeto escola Vai ao Teatro” ou o “Teatro vai à escola”… Tais projetos constituíam de um modo geral, uma alternativa para salvar as produções do fracasso financeiro total! Mas hoje, nem os próprios professores tem interesse em levar os alunos ao teatro, alegando riscos de segurança ou que as instituições têm outros interesses educativos que não as que os espetáculos estariam contemplando.

A crítica especializada e a imprensa compactuam com tudo isso de maneira explicita e escandalosa, reduzindo cada vez mais o espaço de projetos infantis em seus cadernos de cultura, e até mesmo do roteiro dos espetáculos. A classe artística continua indiferente, em uma espécie de prostituição sadia e necessária, em nome da própria sobrevivência… Produtores, por sua vez, têm que implorar não apenas por apoios e patrocínios, mas também pela inserção de uma pequena foto ou chamada nos poucos espaços disponíveis da mídia.

Impossível não se chocar com a quantidade de comerciais na TV direcionados ao público infantil, bilhões de reais destinados a vender brinquedos e guloseimas, sem qualquer atenção ética à qualidade destes produtos e ao impacto deste tipo de ação da mídia na formação destas crianças-consumidoras. Especialmente quando as mesmas empresas que promovem estas batalhas pelo consumo se recusam a investir quantias muitas vezes irrisórias, de R$ 15.000,00 a R$ 50.000,00 (que seriam suficientes para viabilizar projetos de valor cultural e social) em um projeto artístico para este mesmo público, alegando não ter retorno de mídia. Mas afinal, quanto vale nosso trabalho?

Qualquer produção artística, por menor que seja, também consegue, além dos benefícios advindos de seu produto final, fazer sua contribuição social, gerando empregos provisórios e serviços.

Nosso espetáculo “O Mistério do Fantasma Apavorado”, por exemplo, tem uma equipe de 25 pessoas envolvidas diretamente no projeto, e mais de 50 indiretamente, através de diversas prestações de serviços. Estou me referindo aqui à nossa equipe técnica, que envolve outros profissionais. Como no caso de nosso figurinista, que necessita de costureiras e aderecistas, ou nosso cenógrafo, que necessita de marceneiros e serralheiros. Então estamos efetivamente gerando empregos, serviços e capital.

Também é importante lembrar que pagamos impostos, assim como toda a população, e que é dever do Estado criar mecanismos para que as famigeradas empresas, que tem cada vez mais lucros exorbitantes, cumpram efetivamente com seu papel social de patrocinar e investir diretamente em atividades culturais e educativas.

É o fim do Teatro para Crianças! Já não é possível investir nas maravilhosas fábulas, nos Andersens, nos Grimm, nos Wildes, nos Lobatos… nas Claras Machado…. nos desconhecidos talentosos, nos musicais….nos contadores de histórias…nos bonecos.

Recuso-me, contudo, a assistir este espetáculo, e ainda aplaudir em pé!

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Eduardo Figueiredo
Mestre em Teatro pela USP, diretor e produtor. Contato: etf@manhasemanias.com.br. Março 2005.