Márcia Liedke vive uma Bela moderna, uma menina contemporânea

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 03.04.2005

 

 

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A Bela e a Fera: No Candido Mendes, texto clássico infantil ganha elementos do teatro oriental

Simples, despojado e envolvente

As crianças de hoje em dia certamente não têm a menor ideia de que, antigamente – mais precisamente, há quatro décadas – irmãos e amigos costumavam se reunir ao redor da vitrola para ouvir histórias infantis contidas em pequenos discos coloridos. Embora já meio obscurecida na memória, essa lembrança fica muito viva durante a apresentação do espetáculo A Bela e a Fera no Candido Mendes, teatro que favorece uma intimidade entre atores e público, muito próxima daquela experimentada em torno da vitrola.

Ação se passa em dois tempos simultâneos

A adaptação de Paula Gianini, feita a partir de uma antiga versão chinesa do clássico, permite a ela incluir algumas referências ao teatro oriental na narrativa, entre elas, o recurso do teatro de sombras, que é bem explorado pelo diretor Renato Castro Barbosa em toda a montagem. Mas, na realidade, o que mais chama a atenção no texto é a ideia da autora de cruzar dois tempos distintos na história: enquanto a Bela e seu pai vivem no presente, desfrutando de todos os aparatos eletrônicos inerentes a ele, a Fera e seu criado vivem isolados num castelo onde o tempo não passou.

Se por um lado essa ideia é muito feliz, por outro, talvez, cause algumas distorções na trama. Como, por exemplo, na retratação do envolvimento amoroso da Bela com a Fera, que é passado de uma forma muito suave, quase imperceptível. No original, o monstro só consegue se libertar do feitiço que se abateu sobre ele, ao se apaixonar perdidamente pela jovem que passa a viver em seu castelo. No espetáculo, isso não fica claro. Há uma indicação de que a Bela é capaz de vislumbrar uma pessoa boa no interior da Fera, apesar de sua aparência horrorosa, e que isso faz com que ela se torne amiga dele. Mas há uma longa distância entre o poder trans­formador do amor e da amizade, principalmente num conto de fadas. E é justamente esse tempero que falta à trama.

O elenco é composto por quatro atores. Márcia Liedke encarna a Bela, uma menina moderninha que se vê envolvi­da numa situação totalmente inusitada. Embora esteja à vontade no personagem, tal­vez a atriz pudesse dar mais um pouco de ênfase ao envolvimento amoroso com o monstro. Leandro Tassi consegue passar muito bem a angústia da Fera em seu isolamento, precisando apenas tomar cuidado com a projeção da voz. Daniel Mello parece menos experiente no palco, encontrando algumas dificuldades para viver o criado, principalmente quando tenta reproduzir o sotaque chinês. Jerônimo Vieira, que vive os personagens do bruxo e do pai, parece meio desorientado em cena.

Trilha e cenário dão graça ao espetáculo

O diretor, Renato Casttro Barbosa, acerta em cheio ao deixar o palco vazio, facilitando o deslocamento dos atores e valorizando as cenas do teatro de sombras. A luz de Ericeira Jr. e os coloridos figurinos, também de Barbosa, dão graça ao espetáculo, assim co­mo a trilha sonora de Pedro Macedo.

Apesar de simples e despojado, A Bela e a Fera é um espetáculo simpático, que consegue envolver o público infantil.