O colorido é de extremo bom gosto e o elenco se desenvolve com muito talento os seus personagens. Só falta enxugar o texto

Crítica publicada no Jornal do Brasil – caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 18.11.1995

 

 

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Com atraente apelo visual

Volpone – O Morto mais Vivo do Mundo é uma peça do dramaturgo inglês Ben Jonson, contemporâneo de Shakespeare, considerada uma das mais amargas da literatura mundial. O texto, rico em palavras e ações de dúbias nuances, parece não ter intimidado o autor e diretor João Batista, em sua vontade de levar ao público um clássico tão rebuscado.

Ambientado em Veneza, Volpone é a história de um falso moribundo, que manda seu criado Mosca espalhar na cidade que ele está a beira da morte. Sua herança irá diretamente para aquele que melhor lhe tratar. E ele passa a ser bajulado por Corbaccio, um velho já muito rico – que aceita fazer um testamento em favor de Volpone esperando o rápido retorno da fortuna duplicada -, e ainda por Corvino – o ciumento marido de Colomba, que, também por dinheiro, deixa que a bela visite o moribundo, com o propósito de convencê-lo a incluí-los no testamento. – e mais por Canina, uma noiva de duvidosas virtudes. Volpone, mais por diversão do que por ganância, vai arrecadando jóias e favores desses personagens, tirados da commedia dell’arte.

A adaptação de João batista não faz nenhuma concessão a seu público-alvo, no que diz respeito ao prolixo texto que apresenta. Porém, sua direção – tanto para atores como para o espetáculo – tem um divertido colorido, que se torna o elemento mais atrativo da encenação. Os figurinos de Mauro Leite seguem a linha figurativa, que já se tornou sua marca registrada, realçando as características dos personagens com adereços muito bem colocados. Volpone, por exemplo usa um diabólico gorro, ornamentado com chifres, e Canina exibe adereços que realçam sua natural vulgaridade. Os cenários de Dóris Rollemberg, simples e funcionais, lembram um ringue de competição, ladeado de bandeirolas, onde estão impressos alguns trechos do texto, junto com gritos de guerra próprios das torcidas organizadas. Destoando do conjunto, só a cama de Volpone – um banco que mais parece saído da sala de espera de algum consultório médico.

O elenco ultrapassa as dificuldades do texto quilométrico e vive seus personagens com impressionante desenvoltura. Roberto Guimarães, como Volpone, está em perfeita sintonia com o gestual do jogo esperto x esperto. Sonia Praça é uma exuberante Canina, a noiva de muitos noivos. Sergio Machado, mesmo usando conhecidas chaves de humor, se sai bem como o ciumento Corvino. Giselda Mauler tira partido de sua bonita figura, como Colomba, e Luiz Fernando Hosken é correto, ao coringar dois personagens – Corbaccio e Leone, pai e filho na encenação. A boa surpresa fica com a interpretação de Eduardo Rieche, o Mosca. Além de um hisique du rôle muito apropriado, o ator tira graça das situações que cria, driblando como ninguém o longo texto que tem para interpretar.

Realizado com muito bom gosto, o espetáculo pega o espectador pelo atraente apelo visual. Sua união com um texto mais enxuto seria bem-vinda para um público de todas as idades.

Cotação: 2 estrelas (Bom)