Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 11.03.1975

Barra

Um Belo Caleidoscópio 

Você Tem um Caleidoscópio? estreado no fim de semana no Teatro Nacional de Comédias, é um espetáculo que tem, no aspecto visual, a sua característica mais marcante. A montagem é inteligente, de extremo bom-gosto e fica patente que o perfeito acabamento é uma das preocupações do grupo. A direção de Maria de Lourdes Martini é bastante criativa e explora com eficiência as potencialidades do texto, ampliando-o através da ação e da forma. A intenção de levar as crianças à fantasia e, o que é ainda mais importante, a intenção de mostrar que a fantasia depende daquilo que temos nas mãos e não das máquinas, é um objetivo que se realiza plenamente. Não são necessários brinquedos com maquinaria altamente sofisticada para que a fantasia possa existir; ela está em cada um, ou, como diz o texto, está na certeza de existir no feliz, ou, ainda, de modo menos poético, porém, mais claro: “Cansamos de fazer fantasias programadas por máquinas. O que nós queremos é fantasia feita por gente”. O uso de todos os elementos é feito com muita criatividade e poesia. A utilização dos instrumentos pelos próprios atores e a exploração das potencialidades de som existentes em cada material empregado também contribuem para a valorização do espetáculo. Momentos como a entrada dos pandeiros, a chegada do carrossel, o viva o sol, o voo dos pássaros, ou, ainda, são instantes teatralmente expressivos e que determinam bons climas poéticos. O elenco está muito bem ensaiado (uma exceção, no teatro infantil), atua com firmeza, segurança, determinação. Quando cantam, os atores são afinados; e o público entende as letras das músicas. O elenco cria uma montagem agradável, simpática, charmosa.

Todavia, o espetáculo tem uma deficiência séria: a pouca comunicabilidade. Numa peça criada para funcionar em arena, passagem para o palco italiano foi muito limitadora; e, como resultado, a encenação ficou muito fria. A montagem é bonita, de bom gosto, inteligente, mas não consegue ultrapassar os limites do proscênio; fica apenas no palco. E uma das causas da pouca comunicabilidade está na atuação de Beatriz Bedran, como cigana. A atriz, dona de simpatia e de uma voz afinada tem, por outro lado, algumas deficiências, tais como uma interpretação muito fechada nela mesma, o que provoca uma difícil comunicação, com o público; expressão corporal muito rígida; articulação deficiente; voz monocórdia e sempre muito baixa; e um comportamento cênico carente de dinamismo. O espetáculo, que tem tudo para ser envolvente (e o é, quando da utilização da música, pois, aí Beatriz se solta mais) fica, na maioria das vezes, muito distante. Se a direção conseguir transformar a atriz num elemento mais dinâmico, mais vivo, mais comunicativo, a montagem vai ganhar um clima mais estimulante e um ritmo mais eficaz. O texto, criação coletiva, é fraco, existe apenas para dar sequência à ação não tem expressividade própria, mas a direção consegue obter, através do espetáculo, a expressividade e a poesia que a peça não tem. Cercado sempre de muito bom-gosto, fica um momento de perplexidade para o público: qual a intenção existente quanto ao início do espetáculo? Porque aqueles slides jogados no meio de tanta balbúrdia, com a luz acesa (e, logicamente, sem contraste), com gente entrando, conversando etc? É um instante totalmente gratuito e que suja a montagem, dando a impressão de que vamos assistir a mais um trabalho negligente e totalmente caótico, o que, felizmente, não acontece.

Você Tem um Caleidoscópio? É um trabalho sério, muito bem acabado, de excepcional bom-gosto, com um elenco que atua com segurança e onde há a se destacar, ainda, as criações grupais (adereços, cenário, figurinos, maquilagem) e as músicas de Beatriz Bedran. Para que possa alcançar plenamente seus objetivos. Você Tem Um Caleidoscópio? Precisa apenas ser um espetáculo mais dinâmico e comunicativo.

Recomendações:

Sem restrições: História de Lenços e Ventos
Com pequenas restrições: A Varinha do Faz de Conta Você Tem um Caleidoscópio?