Matéria publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Hugo Sukman – Rio de Janeiro – 02.10.1994

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Vanguarda para crianças – Le Pupille veut être Tuteur

Uma peça escrita pelo austríaco Peter Handke (romancista pós-moderno, colaborador de Wim Wenders), sem diálogos e para crianças? Este foi o desafio do grupo francês Théatre dês Jeunes Annés, que apresenta hoje, no Teatro Villa- Lobos, às 15h e 17h, a peça Le Pupille veut être Tuteur (literalmente, O discípulo que quer ser mestre), durante o Festival Coca-Cola de Teatro Jovem. Dirigida por Maurice Yendt e apenas com dois atores, Alain Gandy e Vicent Puyssegur, a peça trata, em última instância, das relações de poder.

No caso, um homem mais velho é imitado pelo mais novo, que almeja sua posição. Aluno e professor, empregado e patrão, mulher e homem, qualquer relação de poder poderia na peça de Handke. “O interesse da peça Peter Handke não se resume a um ensaio dramatúrgico original. É, sobretudo, o modo com que a peça concebe o fazer emergir do teatro que a torna extraordinária”, define o diretor, que veio ao Rio para o festival.

O grupo francês abomina, como se vê, a definição “teatro infantil”. “Nós fazemos teatro para todos os públicos, a partir dos seis anos”, admite o brasileiro residente em Portugal José Caldas, que dirigiu para o grupo A vida íntima de Laura, também exibido no Festival Coca-cola, baseado na obra de Clarice Lispector. Segundo ele, a peça dirigida por seu colega francês não pode ser definida como infantil. “Infantil é o que crianças fazem. Somos adultos representando o que a gente sente”, define o brasileiro.

Por menos ortodoxo que possa parecer. Lê Pupille veut être Tuteur busca a comunicação com o público jovem e infantil através da obra de um dos mais densos autores da atualidade – Handke escreveu, por exemplo, o roteiro de O medo do goleiro diante do pênalti, filme radical de Wim Wenders. Na definição de Maurice Yendt, trata-se de “uma obra atípica, que nos desconcerta e ao mesmo tempo seduz”. Esta sedução vem da total ausência de palavras. “É um texto dramático, só que, em vez de falar, eles fazem o texto”, esclarece José Caldas.

O Théatre dês Jeunes Annés existe em Lyon, com apoio do governo francês, há 20 anos. Dedica-se, sobretudo, a pesquisar linguagens para o teatro destinado ao público jovem. O diretor Maurice Yendt é presidente da Associação Internacional de Teatro para Infância e Juventude, que congrega 63 países. Um dos objetivos de sua visita ao Brasil é cooptar o país para a associação. E mostrar que, embora destinado a crianças, o teatro não precisa simplificar a linguagem.