Brincadeira e muita poesia no Teatro Glauce Rocha

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 17.08.1979

Barra

No picadeiro ou no palco, palhaços e mais palhaços 

O palhaço está quase sempre presente nos espetáculos para crianças. Figura cômica e meio mágica, suas meteóricas passagens pelo palco são capazes de transformar a tensa expectativa criada por perigosos números circenses ou situações até então pouco interessantes, em momentos de grande comicidade e interesse. Na atual temporada há palhaços para todos os gostos. Desde Shukin e Serebriscov, os palhaços premiados do Circo de Moscou, que estreia neste final de semana no Maracanãzinho ao palhaço Chiclete, em sua engraçada perseguição a uma aranha imensa, atração do Gran Bartholo Circus, agora continuando sua temporada em Niterói; ao bastante fraco Novo Festival de Palhaços do Teatro de Bolso, cuja novidade fica apenas no título. Já no terreno das montagens teatrais, algumas boas opções. Três dos melhores espetáculos infantis em cartaz se utilizam de maneira diferente e com igual eficiência da figura do palhaço.

Em Fala Palhaço, criação coletiva do Grupo Hombu, quem marca a estreia do Teatro Villa-Lobos na área dos espetáculos infantis, o palhaço aparece não apenas como tema, mas como molde da encenação. Trata-se da história de uma família de palhaços que, em má situação, procura um meio de arranjar dinheiro e atrair mais público para o circo. Não é a história, no entanto, o que mais chama a atenção. Durante toda a representação, é justamente o que parece interessar menos à plateia. O maior interesse desta montagem do Grupo Hombu está no aproveitamento do comportamento cênico do palhaço e da ligação que ele costuma estabelecer com o espectador. É a linguagem do palhaço que contamina a encenação. E multiplicam-se as situações cômicas, os absurdos, as surpresas, convertendo-se Fala Palhaço>, antes de mais nada, numa justaposição de diferentes e engraçadas performances. Beto Coimbra, Tarcísio Ortiz, Sílvia Aderne, Sérgio Fidalgo, Regina Linhares, os cinco atores-palhaços, refletem na sua movimentação a escolha de gestos e números pertencentes ao repertório habitual do palhaço. Por vezes as atuações se desdobram e, realizadas ao mesmo tempo, dão margem a que a atenção do espectador possa se fixar no que está em primeiro plano, ou em alguma cena que se desenrola mais atrás ou num canto do palco. Um palhaço que não fala, apenas assobia, e, de repente, cospe um apito enorme; Lambe-fogo cuja barriga, uma bola de gás, começa a crescer subitamente e explode, fazendo aparecer um pedacinho de pano; um palhaço que arma sua vara de pescar no ar e pesca uma lâmpada; trocadilhos, atrapalhadas acrobacias, falas tomadas ao pé da letra: do palhaço incorporam-se, sobretudo os comportamentos aparentemente sem sentido que se multiplicam e transpõem para a cena teatral a expectativa de gestos cômicos e inesperados que costuma acompanhar as apresentações dos palhaços de circo.

Uma Pitada de Sorte, de Alice Reis, no Teatro Glauce Rocha, fala de um palhaço, Palha, que, junto a um mágico e uma cartomante, corre atrás de um circo e repete pelo caminho seus números habituais. Palhaço meio triste, com fome e desempregado, que chega em alguns momentos a perder o seu alegre aspecto circense. Já em O Cavalinho Azul, cartaz do Tablado, o circo surge como uma das paradas de Vicente na sua procura do cavalinho perdido. E, nele, conhece um palhaço que, de tão cansado e explorado pelos donos do circo, quase não consegue mais fazer graça. Como em Fala Palhaço, Uma Pitada de Sorte, o palhaço ou está desempregado, ou sem público, ou sem vontade de fazer graça. E ocupa a cena, na sua ambiguidade de figura por vezes extremamente cômica, mas, ao mesmo tempo, triste e sem graça. Oscilação que, junto à representação do ator como clown talvez explique a atual proliferação de palhaços nos palcos infantis. E, no picadeiro ou no palco, a permanente atração que exerce sobre a plateia infantil essa figura cheia de imprevistos do palhaço.