O grupo Tapa está na Aliança Francesa

Critica publicada no Jornal da Tarde
Por Alberto Guzik – São Paulo – 15.08.1987

 Barra

Um retrato sarcástico da velha arte

Uma Peça por Outra, em cartaz no Teatro Aliança Francesa, é mais uma produção do Tapa, a equipe carioca instalada naquela sala desde meados de 86. O grupo já nos mostrou O Tempo e os Conway, um J.B. Priestley montado com grande teatralidade e requinte, e Viúva, Porém Honesta, um Nelson Rodrigues saboroso e esfuziante. Agora o Tapa dá continuidade ao seu projeto de repertório trazendo-nos a antologia de pequenos textos de Jean Tardieu, Uma Peça por Outra, que marca a primeira produção profissional desse autor francês em palcos paulistas. Tardieu, que nasceu em Saint-Germain-de-Joux, em 1903, ficou famoso por volta dos anos 50, quando seu teatro de curtas cenas satíricas, considerado precursor do de Eugène Ionesco e Artur Adamov, teve difusão mundial.

Os sketches reunidos em Uma Peça por Outra giram todos ao redor da observação sarcástica do teatro, que magnifica argutamente os vícios e cacoetes dessa velha arte, tal como era praticada na França ao redor dos anos 50. Só Eles o Sabem põe em cena quatro personagens afetados por grandes mistérios jamais revelados ao público. Um Gesto por Outro lida com o formalismo da gestualidade humana, e imagina uma festa em que as pessoas tiram os sapatos ao entrar e os cavalheiros beijam os pés das damas. Nessa peça, aliás, percebe-se a raiz de uma ideia que Luis Buñuel desenvolveria em O Charme Discreto da Burguesia, a do ato de comer considerado como degradante e indigno de ser exercido em público.

Pela via do nonsense (usado enquanto instrumento de sátira) as peças de Tardieu se organizam como uma espécie de teatro camicase. É um metateatro que se desmonta à medida que progride. Oswaldo e Zenaide reduz-se a uma sucessão de longos apartes. Havia uma Multidão no Solar enfileira monólogos que pulverizam as situações típicas do meio-drama. A encenação de Eduardo Tolentino de Araújo valoriza o humor das situações de Tardieu, mas sabe ler igualmente a angústia que se esconde por trás delas. A montagem de Uma Peça por Outra em clima de cabaré literário permite ao encenador a liberdade de misturar tons e estilos.

O problema da realização do grupo Tapa deveria ser invejado pela maioria de nossas encenações. Há em Uma Peça por Outra excesso de bom material, o que torna difícil a prática de cortes. Mas o ritmo do espetáculo, que corre com perfeição no primeiro ato, ralenta-se e não encontra o andamento satisfatório no segundo. A boa estrutura do roteiro, que enfileira uma série de pequenas obras-primas, complicará a decisão do grupo sobre o que eliminar do conjunto, porque as cenas estão montadas com muita inventividade, compõem um todo consistente e bem articulado.

A produção do trabalho mantém o alto nível que costuma caracterizar o Tapa. A cenografia de Ricardo Ferreira e os figurinos de Lola Tolentino são bem solucionados e sublinham o ar levemente alucinado que perpassa os textos. O espetáculo não seria tão envolvente se Eduardo Tolentino contasse com um elenco menos afiado. As inúmeras personagens são criadas no mesmo estilo de interpretação brilhante e seguro que o conjunto exibiu em outras encenações. Denise Weinberg, Ernani Moraes, Eliana Fonseca, Charles Myara, Brian Penido, Clara Carvalho, Guilherme Sant´Anna e José Carlos Machado formam um conjunto homogêneo, que traça composições nítidas, dotadas do tom exato de caricatura.