Uma Peça por Outra: o absurdo francês numa ótima encenação

Crítica publicada na Revista Veja Rio
Por Cláudio Bojunga – Rio de Janeiro – 06.08.1980

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Tapa de classe

O ridículo das convenções, demolido com ironia

Para quem está cansado de pedantismo no palco, Uma Peça por Outra, do francês Jean Tardieu (em cartaz no Teatro Vanucci, Rio, às segundas e terças-feiras), é um alívio. Sátira fina aos recursos convencionais do teatro, o espetáculo montado por Eduardo Tolentino de Araújo e pelo grupo Tapa é uma gostosa demonstração de que bom teatro nem sempre precisa ter finalidades terapêuticas. Os pequenos textos de Tardieu, 76 anos, costurados com irreverência e elegância por Tolentino, poderiam ser classificados como desdramatizações, dirigidas contra a sisudez, o edificante, a megalomania.

As onze minipeças, impecavelmente traduzidas por Manuel Bandeira Pina Roux e Renato Icarahy, situam-se no pólo oposto ao do teatro brutalista ou moralizante – elas implodem os clichês com ironia, e deixam bem claro que só quem leva a sério as palavras e os gestos pode entender a que ponto eles foram esvaziados pelo artificialismo da convenção. O gosto pelo absurdo, a causticidade, situam Tardieu como irmão mais moço (e menos consequente) de Samuel Beckett e Eugene Ionesco. Sua angústia-pós-guerra não viaja tão bem como o pânico metafísico de seus colegas de geração. Ele é menos abstrato, muito francês – sua visão do teatro resume sua visão de mundo. Os atores, no entanto, não só parecem conscientes dessa fragilidade como a utilizam em benefício do espetáculo. Além de bem traduzido, Tardieu foi bem assimilado. O elenco, formado no teatro infantil, é homogêneo e desenvolto, e todos parecem aceitar com bom humor o papel aparentemente limitado de serem partes de uma orquestra que promete. O grupo é amador mas não esconde isso, tanto que Tapa significa Teatro Amador Produções Artísticas. Tipicamente Tardieu, essa transformação de uma palavra que poderia ser agressiva numa autogozação.