Uma troupe coesa, um celeiro de atores. Foto: Maria Elisa Ramos

Critica publicada na Revista Visão
Por Flávio Marinho – Rio de Janeiro – 1980

Barra

Pelo absurdo

Um novo grupo carioca

Uma peça por outra, coletânea de textos de Jean Tardieu; direção de Eduardo Tolentino de Araújo. Elenco: Charles Myara, Beto Quartim, Clarisse Derzié, Renato Icarahy, Celso Lemos, Priscila Rozenbaum e outros. Teatro Vanucci (segundas e terças-feiras), Rio de Janeiro.

É, no mínimo, com inegável prazer e satisfação que se costuma assistir ao surgimento de um novo grupo de talento. E é isso que está acontecendo às segundas e terças-feiras no Teatro Vanucci, com o espetáculo Uma Peça por Outra, interpretado por um grupo de jovens que não tem medo de se intitular “amador”. Mas que apresenta um trabalho bem mais profissional do que muitos do chamado circuito comercial.

Egresso do Tablado e de espetáculos para crianças, o Grupo TAPA (Teatro Amador Produções Artísticas) foi desencavar um esquecido representante do teatro do absurdo e armou uma coletânea de onze peças curtas, em primorosas traduções de Pina Roux, Manuel Bandeira e Renato Icarahy. Sem maiores pretensões de aprofundar qualquer tipo de crítica social, ao contrário de todos os seguidores do teatro do absurdo (Ionesco, Beckett), Jean Tardieu propõe, quase sempre, brincadeiras em torno de convenções tradicionais do jogo teatral.

Para muitos, a escolha de um autor como Tardieu por um grupo jovem pode ter resultado só numa grande inutilidade. Tolice. Se o grupo se identifica com o que o autor tem a dizer, ele tem mais é de montar aquilo em que crê. Não adianta querer cobrar do grupo um espetáculo estreitamente vinculado à realidade nacional se ele não está ligado nela. Afinal, é muito melhor assistir a um Tardieu bem encenado de que a uma montagem ruim de Guarnieri. O que importa é o resultado.

E o resultado final de Uma peça por outra é muito simpático. Mesmo com alguns números musicais desnecessários e uma certa timidez da direção, que não explora até as últimas consequências o potencial de loucura dos textos. O espetáculo tem uma divertida dose de nonsense, em montagem de surpreendente precisão para um grupo estreante. Todos compreenderam a intenção do autor de destruir as chamadas “ilusões teatrais” e o fazem com uma irreverência que Tardieu certamente aplaudiria. Em Conversação Sinfonieta, por exemplo, o autor constrói um diálogo dramático em formas quase musicais; as vozes são transformadas em instrumentos de uma orquestra. O TAPA desincumbe-se da difícil tarefa com virtuosismo técnico e senso de humor, comprovando que ali está um homogêneo e coeso grupo, do qual poderão sair alguns dos nossos melhores atores. A destacar, desde já, a segurança do apresentador Charles Myara.