­­­­Crítica publicada na Revista Visão
Por Flavio Marinho – Rio de Janeiro – 1980

Barra

Uma Peça por Outra

A Revelação de um grupo no Vanucci

Quando o Teatro Vanucci foi inaugurado em abril de 78, houve quem dissesse tratar-se de mais uma sala de espetáculos voltada, apenas, para montagens estritamente comerciais. De fato, desde então, a tônica predominante da casa  foi a de um repertório pautado, na maior parte do tempo, por boulevards empresariais. Mas é uma grata surpresa – e satisfação – ver o Vanucci abrir suas portas – apenas às segundas e terças – para uma simpática montagem de Uma peça por outra (uma coletânea de textos de Jean Tardieu) que revela jovem grupo – egresso do Tablado e de espetáculos para crianças – numa montagem para espectadores adultos: o T.A.P.A. (Teatro Amador Produções Artísticas).

Insólito representante do chamado teatro do absurdo, Tardieu talvez tenha mais valor por suas pesquisas formais do que por suas realizações finais. Seja como for, ocupa lugar de merecido destaque na moderna dramaturgia francesa.  Antecipando o estilo e a temática que fizeram a glória de Ionesco, jogos de palavras para tratar de temas que podem ser lidos nas entrelinhas. Esta coletânea – primorosamente traduzida por Pina Roux, Manuel Bandeira e Renato Icarahy – de 11 minitextos de Tardieu serve como uma espécie de cartão-de-visitas à obra do dramaturgo francês. Pois é brincando com as palavras que ele ironiza a hipocrisia das convenções sociais – em Uma palavra por outra – com afiado sentido de musicalidade e sonoridade na seleção do vocabulário. A mesma característica pode ser encontrada em Conversação sinfonieta, onde o autor, virtuosisticamente, constrói um diálogo dramático em formas quase musicais, transformando vozes humanas em instrumentos de uma orquestra. A irreverência de seu estilo, no entanto, talvez atinja o ponto mais alto num texto de grande teatralidade – Um Gesto por Outro – onde ele, impiedosa, porém elegantemente, destrói o cinismo da chama règie du jeu.

Em que pese uma certa timidez na direção de Eduardo timidez na direção de Eduardo Tolentino de Araújo, que não chega a exploração a loucura embrionária do texto, não há dúvida de que o espetáculo revela-se um exercício de fina e
inteligente ironia. Alguns números musicais e o último sketch, Monsieur moi, que funciona como anticlímax, poderiam ser dispensados. Ainda assim, são problemas menores que não chegam a afetar o positivo saldo final – de mise-en-scène precisa e charmosa. A vitalidade do jovem elenco é altamente estimulante e seria difícil destacar um ou outro trabalho na medida em que, fatalmente, incorreria em alguma injustiça. Mesmo assim, sobressaem-se a segura
participação do apresentador Charles Myara e a certeza de que vários grandes intérpretes vão surgir deste grupo T.A.P.A. Com um bem-humorado nonsense, todos, afinal, mostraram-se inteiramente sintonizados com a proposta de Tardieu e da direção, ao destruir o que se convencionou chamar de magia teatral. E o fazem com grande sentido de teatralidade.