O grupo, jovem, faz de tudo um pouco para encenar a peça de Maria Clara Machado O Embarque de Noé. “Embarcamos todos de cabeça”, dizem.

Matéria publicada em O Globo – Zona Sul
Por I. S. – Rio de Janeiro – 13.09.1982

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Um novo Teatro entra em ação

Com apoio da comunidade, a vida cultural se movimenta na Fonte da Saudade

É intenso o burburinho, a qualquer hora do dia. Horas antes dos ensaios finais, com peças de filó, tintas, pincéis, pregos, martelos e papéis de todas as cores e texturas, o numeroso grupo de atores entrega-se aos últimos preparativos para a montagem do cenário.

Para a maioria deles, a estreia no palco é o primeiro trabalho profissional -“tenho medo, mas me joguei de cabeça” – comenta risonha a jovem Renata Laviola, 16 anos, o nariz sardento e uma fita no cabelo.

O grupo estreia no próximo sábado, dia 11, às 16h, a peça infantil O Embarque de Noé. Para  montá-la, os atores encarregaram-se de reformas no Teatro Fonte da Saudade (Pequena Cruzada, Avenida Epitácio Pessoa, 4866), fechado há seis anos. Os ingressos custam Cr$ 350.

A Aventura de “Vestir” um Teatro

Ex-alunos do Teatro Tablado, conhecidos de longa data ou amigos por afinidade profissional, o grupo vive ansioso os últimos dias de ensaios. Adolescentes na maioria, mas com idades que variam de 14 a 37 anos – a média fica por volta dos 19 – eles ainda não têm nome oficial mas, por sugestão espontânea da peça, já se autodenominam Grupo do Embarque: “Pelo menos todos aqui têm algo em comum, embarcamos todos de cabeça”, admite Marcelo Barroso, 24 anos, um dos “protozímbios” da peça.

Orgulhosos pelo fato de terem a responsabilidade de estrear um texto de Maria Clara Machado – “ela não costuma fazer isso com principiantes, sem que se encarregue da direção”, comentam – o grupo virou uma cooperativa, trabalhando todos ao mesmo tempo como cenografistas, iluminadores, técnicos de som.

– O teatro estava nu – conta Marcelo, – há muito tempo não era usado para a apresentação de uma peça, servia só de auditório para palestras, essas coisas.

Com tábuas de madeira, transformaram-se em carpinteiros e aumentaram o palco, trouxeram fios e arames e instalaram nova iluminação. Usando folhas plásticas, improvisaram uma coxia na área dos fundos do teatro. O dinheiro foi conseguido com amigos e parentes – “estamos até aqui de dívidas” – e, além de precisar dobrar os horários na escola ou trabalho para os ensaios, muitos ainda precisam driblar a vigilância familiar.

Meus pais deram contra logo no começo – conta Renata. – Eu estava chegando em casa meia-noite, todos os dias. Mas agora mamãe vem aos ensaios e até dá palpites no andamento da peça.

Com ar condicionado e 256 lugares, o Teatro Fonte da Saudade vai estar aberto para a peça aos sábados e domingos, 16h e 17:30h. Com direção de Toninho Lopes, O Embarque de Noé conta com a participação de 24 atores.