Yuri em Terra Azul


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 04.07.1992

 

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Brincar com o tempo parece ser um dos jogos favoritos da humanidade. De Julio Verne a H.G. Wells, homens maravilhosos e suas máquinas voadoras passeiam pela história do mundo sem cerimônia, por muitas vezes quebrando regras universais, interferindo nos enredos e desobedecendo a lei do cosmos que diz: “A história não pode ser mudada.”

Terra Azul, da Cia. Zero de Bonecos, em cena no Teatro Laura Alvim, é uma deliciosa science-fiction para crianças, construída zilhões de anos à frente, sem que, no entanto, o seu personagem principal deixe de se envolver com problemas rotineiros do atual universo infantil: dever de casa, aulas sobre temas irrelevantes e mãe que, por excesso de trabalho, nunca pode estar presentes na hora do jantar.

Fora esses pequenos entraves, Yuri tem sob sua responsabilidade questões maiores que devem ser resolvidas. O buraco da camada se ozônio está afetando o planeta e este tende a desaparecer rapidamente. A bordo de sua nave espacial, tendo como co-piloto o robotizado XY, nosso herói viaja pelo tempo, e a cada parada faz contato com os mais interessantes personagens das diversas épocas: Deus, um simpático velhinho em sua oficina inventando o mundo; Adão, Eva e serpente criando confusão no paraíso; Cristóvão Colombo botando um ovo em pé; e até um editor de livros ecológicos, que polui o rio com sua fábrica de papel.

O texto de Rita Espeschit recebeu da equipe de criação da Zero – Wilma Rodrigues e Caco – uma cuidadosa montagem, onde os cenários de Felício Alves e Paulo Viana se constituem num espetáculo à parte. O painel inicial da cidade segue um ritmo cinematográfico, onde o espectador se sente destruindo todas as paredes para, enfim desvendar o quarto de Yuri. Também muito simpática é a oficina do criador, cheia de caixinhas, traquitanas e vidros coloridos.

Com todo esse aparato técnico, a Cia. Zero deve apenas reavaliar a luz do espetáculo, que por vezes se apresenta escura demais e por outras deixa evidente a figura do manipulador, quebrando assim a magia da encenação. Mas esse é apenas um detalhe facilmente contornável. Afinal, até a própria natureza, tão perfeita, comete seus deslizes, como o exagerado caroço do abacate, os inconvenientes espinhos da rosa e o definitivamente insuportável gosto do jiló.

Cotação: 2 estrelas (Bom)