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A segunda edição do Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau, realizado entre 17 e 21 de agosto de 1998, consagra a cidade, definitivamente, como a capital dos festivais de teatro.

Durante 5 dias as celebrações dionisíacas não se restringiram às salas de espetáculo do Teatro Carlos Gomes. A cidade viveu teatro em praças públicas, nas escolas, nas ruas. Houve desfiles nas principais avenidas do centro, acompanhados por centenas de pessoas que seguiam gigantescos bonecos, a banda e membros de várias trupes que, com suas fantasias e caracterização de personagens, carnavalizavam teatralmente o cotidiano blumenáutico. Houve espetáculos nas praças, como o realizado na Praça da Moellman, na quinta-feira, 20 de agosto, exatamente no horário da saída das escolas, reunindo um grande número de jovens que aplaudiam a iniciativa com entusiasmo.

Mas o Festival não se limita a apresentar espetáculos. Discute-se, conversa-se, teoriza-se, pratica-se teatro 24 horas por dia. Nas oficinas ministradas por especialistas tem-se a oportunidade de vivenciar diferentes aspectos do fazer teatral, sejam eles referentes ao texto, sejam os relativos às diferentes formas e gêneros, sejam os concernentes às diversas linguagens que a expressão teatral envolve.

Além disso, ao longo do Festival, tem-se a oportunidade de debater sobre os espetáculos com experts que observam criticamente os espetáculos apresentados, pontuando aspectos diversos da encenação.

Um dos objetivos principais do Festival parece-nos ser o de criação de plateia que, diga-se de passagem, foi alcançado plenamente ou, até mesmo, ultrapassado, na mediada em que atingiu o surpreendente número de vinte e cinco mil espectadores.

Este Festival infantil devolve a Blumenau uma característica que há muito tempo e por muitos anos distinguiu a cidade e que, por longo período, foi esquecida: ser uma cidade teatral. Talvez os jovens moradores da cidade não saibam, mas Blumenau recebia, frequentemente, companhias teatrais alemãs de câmera que apresentavam, em seus repertórios, os espetáculos dos mais renomados dramaturgos.

Ao observar as expressões das crianças espectadoras do festival, podem dizer, com tranquilidade, que uma significativa parcela da população infantil da cidade foi contaminada com o vírus do teatro e que, temos certeza, alguma imagem, uma cena, um gesto, ficarão para sempre registrados na memória de suas retinas.

Como transitei por todas as partes e em todas as atividades desenvolvidas, tive a rara oportunidade de flagrar cenas especiais como as que se seguem.

Na entrada do teatro, uma trupe de artistas chilenos, argentinos e brasileiros recebia os jovens espectadores que chegavam em ônibus escolares. Pareciam verdadeiras nuvens de crianças, cada grupo capitaneado por uma professora. O entusiasmo dos jovens, diante dos atores pernaltas mascarados que evoluíam acrobaticamente, variava da completa perplexidade, ao êxtase demonstrado pelo olhar, pelo grito ou pelos saltos de alegria. Havia uns, no entanto, que se agarravam amedrontados às professoras, revelando, inconscientemente, sua catártica relação com o universo teatral. Houve um pequeno, no entanto, que, mais do que impressionar-se com ou temer os gigantescos bonecos, resolveu certificar-se de qual era o recurso usado pelos artistas para se manterem tão acima do resto dos comuns mortais. Sem a menor cerimônia, o garoto meteu-se por debaixo dos panos e das pernas do personagem e saiu gritando: ele tem pernas de pau!

Ao visitar a Oficina de reciclagem de materiais alternativos para construção e uso de bonecos, ministrada pelo pernambucano Fernando Augusto Gonçalves, deparei-me com três oficiais da polícia militar devidamente uniformizados e armados. Minha primeira reação foi de surpresa em função do fato de associarmos sempre a figura do policial a uma situação de segurança, perigo ou violência. O que poderiam estar fazendo aqueles oficiais num festival de teatro infantil além da segurança? Pois minha surpresa transformou-se em perplexidade e, na sequencia, em admiração. Os policiais estavam aprendendo a fazer e a manipular mamulengos para melhor poder ensinar as leis de trânsito às crianças, nos cursos de formação de cidadania por eles ministrados. O mínimo que temos a dizer é que aquela cena nos fez repensar o papel de um policial em nossa sociedade.

A terceira e última cena que gostaríamos de aqui revelar foi a que assistimos numa noite em que saímos para jantar. Já havia observado que um grupo de artistas chilenos estava sempre acompanhado de um menino de aproximadamente 11 anos. Pensei ser o garoto filho de um dos membros do grupo. Soube, porém, no dia seguinte, que o referido menino estava acompanhando o grupo desde o dia em que viu o desfile na cidade e resolveu acompanhar, fugindo de casa sem comunicar a avó. Soube também que, desde a véspera, a coordenação do Festival estava de posse do telefone do garoto para comunicar aos responsáveis os passos do pequeno que, como os personagens de O Flautista de Hamelim, um dos espetáculos apresentados, seguiu os artistas por onde passavam. Mais uma vez, pode repetir o clichê, a vida imitou a arte.

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Fred Góes
Mestre em Sistemas de Comunicação e Prof. e Dr. em Teoria da Literatura da UFRJ, Rio de Janeiro.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 2º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (1998)