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Minha participação para esse Festival se deu de duas maneiras diferentes: uma como artista, diretora de ator do espetáculo Ari Areia um Grãozinho Apaixonado de Fátima Ortiz e Eneas Logus, com direção de Airton de Oliveira; outra como educadora e integrante da mesa de debate sobre arte educação. Essas duas atividades, no meu parecer, são perfeitamente compatíveis e complementares. A palestra que proferi no seminário foi a respeito do teatro na educação; tema que passarei a abordar.

A minha atuação nesses últimos anos na educação tem se dado junto aos professores, pois parto do princípio de que eles precisam passar pelo processo da vivência do teatro para que tenham condições de facilitar o contato dos alunos com essa arte encantadora e mágica. Mágica, sim, mas não espontaneísta e sem princípios. O teatro na educação ocupa um espaço definido, onde há conteúdos próprios para serem aprendidos. Construídos ao longo de um processo que respeite as etapas de aprendizagem, o ritmo de cada um e o contexto do grupo com todas as suas características e particularidades. A importância dessa disciplina deve estar muito acima de uma atividade extra ou comemorativa, ou ainda como suporte para outras disciplinas oferecidas no currículo escolar. O conhecimento da linguagem teatral precisa ser construído no contato com a vivência estética, facilitada por um professor, ciente do significado que a arte pode ter para cada indivíduo como agente de apreensão e modificação do mundo.

Parto do principio de que, assim como um professor, para lecionar matemática, ou português, ou história, tenha que ter cursado Licenciatura para isso, para o teatro, também deva exigir essa formação, pois ainda hoje encontramos distorções e desvalias dessa disciplina em sala de aula. A importante tarefa de se trabalhar com o imaginário, a criatividade, o espírito critico, a expressão corporal, a forma, a cor, o espaço, a plasticidade, o ritmo, a palavra, a personagem, o som, enfim com os conceitos específicos da Iinguagem teatral e da expressão de um indivíduo em formação, merece todo o respeito e cuidado por parte de um educador. Trata-se de conteúdos a serem descobertos e explorados pelo aluno. Mas, ai caímos numa realidade brutal existente em todo país, (com raras exceções), não possuímos professores formados em teatro.

Dentro dessa realidade, da falta de um profissional com formação específica em teatro, um professor que pretenda proporcionar aos seus alunos o contato com essa arte precisa buscar informações, deve procurar ler, debater, ouvir, assistir a espetáculos profissionais para não propor atividades aos seus alunos com uma postura arcaica e desatualizada. Um professor que utiliza aparelho celular, computador, DVD, micro-ondas, não deve continuar a propor um teatro na escola como se fazia ha trinta anos, a não ser que seja de propósito e sua escolha seja consciente. Digo trinta anos para ser condescendente, pois na literatura específica, encontramos livros de vários autores que já trabalhavam com jogos e atividades de teatro na escola.

Embora haja textos esclarecedores sobre o teatro na educação, tenho me deparado, ao participar de festivais, trabalhos e festas em escolas, com atividades repetitivas e ultrapassadas. O que varia são os temas, às vezes, muito embora alguns professores insistam em trabalhar com as crianças e com os adolescentes, temas de que elas próprias gostariam de apresentar ou questionar, ou, melhor dizendo, temas abordados sob sua própria ótica de adulto, de sua época, com enfoques bem diferentes do que certamente as crianças e adolescentes teriam condições de apresentar. É que as apresentações desse tipo são feitas para “apresentações”, e geralmente não são o resultado de um processo de trabalho, enriquecido, discutido pelos alunos. Em varias ocasiões tive a oportunidade de perguntar para as crianças, ao final do trabalho, sobre o que estavam falando, ou qual o significado para elas do que apresentaram, e elas demonstraram insegurança, ficaram pouco à vontade, quando não demonstravam cansaço e desânimo por um trabalho no qual pouco criaram, e muito ensaiaram.

É evidente que não tiro o mérito de um trabalho em escola em que toda uma comunidade e envolvida, a escola, os pais, os avós, (que colaboram e se orgulham dos filhos e netos). Estou aqui tratando do teatro na escola, e na construção desse conhecimento, com seus conteúdos e linguagem específicas de uma área de conhecimento. A arte é conhecimento, não pode e não deve se restringir a momentos de festividades. A educação dos sentidos faz parte dos princípios do ensino do teatro. A aprendizagem se dá pela vivência onde cada um descobre, ou redescobre, com a sua percepção corporal, emocional e mental. Aguçar os sentidos, proporcionar ­uma educação diferente do que se recebe rotineiramente, esse é o papel do teatro na educação. É proporcionar um novo olhar, uma nova oportunidade de leitura, de sentido. O professor pode ser comparado a um mágico, que propõe a plateia que tire de sua própria cartola, mil surpresas. Sensibilizar o aluno para um mundo de descobertas, de magias, de alternativas, de novas propostas para coisas comuns. Através do Jogo Dramático, para os menores, e do Jogo Teatral, há inúmeras oportunidades de se trabalhar o teatro em sala de aula, valorizando o processo e não somente o resultado, a apresentação, que claro, também e importante.

Talvez o leitor professor possa estar pensando, falar e fácil, e com razão, mas partir para a ação não é impossível. São pequenas atitudes, que podem iniciar por um simples prestar atenção ao próprio corpo, a respiração, a força, ao gesto, ao equilíbrio e desequilíbrio. Ou propor um olhar crítico sobre um programa de TV. Ou quem sabe trabalhar com uma notícia de jornal, e a partir desta, criar, debater, ouvir, argumentar, mas não copiar simplesmente o que viu, ou ouviu. Trabalhar a criticidade também deve fazer parte do teatro na educação. Quantas vezes encontro alunos decorando um texto, sem o mínimo espírito crítico sobre as palavras que estão dizendo, isto não é, isto é uma mera reprodução, mais para o teatro jesuítico, utilizado no passado pelos padres jesuítas para catequizarem os índios do que teatro para estimular a criatividade e o conhecimento dos conceitos teatrais.

Eu própria iniciei minha atuação teatral em escola, e reconheço os vários benefícios que obtive com isso, com o contato com o teatro, a musica, mas percebo que para muitos estudantes, ainda hoje, o apresentar-se é um temor, a maioria fica nervosa, sofre, sente vergonha; os mais tímidos sentem um verdadeiro pavor só de pensar que terão que falar na frente de todos os colegas, dos seus pais, dos professores. Quando adolescente, enfrentam as brincadeiras dos colegas; os mais descolados tiram de letra, mas os tímidos ficam mais frágeis, mais inseguros. Para esses, a experiência e traumatizante, pois carregarão consigo essa experiência pelo resto da vida, e provavelmente quando adultos terão problemas para se apresentar e falar em público. Uma minoria é desinibida, mas a maioria precisa ser auxiliada e encorajada nos exercícios e jogos, de forma lúdica, sem medo de não se dar bem nos resultados. Precisamos encarar como tentativas de acerto e não como erros, as nossas investidas e experiências da infância, principalmente na construção do conhecimento, para que possamos gostar de aprender.

Proporcionar ao aluno um· espaço de flexibilidade, do colocar-se no lugar do outro, de tentar sentir sobre outro prisma, isso sim é trabalhar arte na sala de aula. Oportunizar um espaço onde o aluno se sinta à vontade para expressar-se, brincar com suas ideias, permitir-se experimentar o inusitado. Talvez muitos professores esqueçam que trabalhar o intuitivo, a imaginação, é altamente produtivo não somente para os artistas, mas para os cientistas; lembremos a figura do grande físico Einstein, que confessava utilizar a intuição nas suas descobertas.

Penso que a grande diferença é a postura do professor. Nós, professores, precisamos ser instigadores, provocadores, atentos ao que nos trazem os alunos e sensibilizá-los para novas formas de encarar o mundo, onde cada um possa se expressar, se sinta legitimado, criador, com respeito ético por si e pelo grupo de trabalho. E essa postura, tanto por parte do professor, quanta por parte do aluno, precisa ser conquistada. Podemos iniciar por pequenas tentativas, com pouca pretensão, um desafio de cumplicidade entre professor e alunos. Aprender e poder experimentar, é rever resultados, e retomar, e modificar, e começar de novo.

Por que então não convida algum colega de outra área pra enriquecer a sua proposta? Não precisamos trabalha sozinhos, numa época complexa como a nossa, as trocas são fundamentais para não cairmos em soluções únicas, empobrecidas, as paredes mentais podem derrubar as paredes físicas. E para que possamos trabalhar a criatividade dos alunos, nós professores precisamos desafiar a nossa capacidade criadora, desvendar um mundo novo, junto com eles, desconfiar das nossas certezas, como diz o autor Humberto Maturana. (A Arvore do Conhecimento. São Paulo; Editora Palas Athena, 2001). Vamos trocar ideias com os nossos colegas, compartilhar das nossas incertezas para tentar construir, junto com eles e aos alunos, um mundo de maior encantamento.

A arte trabalha com a imaginação, com a criatividade, com o desconhecido, com a transformação de ideias, com um novo olhar. A arte desafia o nosso gosto, os nossos olhares, os nossos sentidos, a nossa postura perante o mundo. Precisamos proporcionar esses princípios maravilhosos das artes as nossas crianças, senão, estaremos apenas fazendo-as reproduzir, repetir, copiar estereótipos de todas as naturezas, como por exemplo, a figura da avó com bengala e xale (hoje as avós fazem ginástica, andam de moto e viajam). Não e idealismo exagerado, mas creditar em novas possibilidades, aceitar que o processo pode ser muito mais interessante do que somente o produto.Procurar perceber que um exercício, um jogo dramático, um jogo teatral, pode ser muito mais artístico do que uma apresentação que apenas reproduz.

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Miriam Benigna Lessa Dias
Diretora de teatro. Doutoranda em Educação na Linha de Pesquisa: Estudos Semióticos da Natureza e da Cultura, UFRGS. Mestre em, Educação pela PUC, Rio Grande do Sul.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 10º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2006)