Matéria publicada no Jornal do Brasil
Por Ana Maria Machado – Rio de Janeiro – 31.12.1978

Barra

Teatro Infantil 1978: Um Balanço do Vazio 

Fim de ano é hora de se olhar para trás e fazer um balanço, pesando e medindo o que aconteceu. Pelo menos na área do teatro infantil, o que se pode dizer é que, pelo menos, é vizinho do começo de ano e, portanto, hora também de olhar para a frente com esperança no que vem por aí, como a anunciada estreia de O Castelo das Sete Torres, em janeiro, porque o panorama teatral para as crianças em 1978 foi melancólico e desalentador. Entre os 176 espetáculos que se ofereceram à garotada pelos palcos do Rio no ano que passou, a imensa maioria foi de uma indigência mental de causar dó. É claro que houve algumas raras exceções. Mas, em comparação com as temporadas anteriores, esta foi lamentável. Para se ter uma ideia basta lembrar alguns vazios. O Grupo Quintal, por exemplo, premiadíssimo, ganhador do Prêmio Molière e que vinha desenvolvendo um trabalho constante e de alto nível, não apresentou nenhum espetáculo novo. O Ventoforte, de Ilo Krugli, que entrou o ano com seu espetáculo vindo de 1977, O Mistério das Nove Luas, acabou tendo que adiar para janeiro a estreia de seu próximo trabalho. Benjamim Santos, que tantas e tão ricas contribuições dera nos últimos anos, também abandonou os palcos este ano, concentrando seus esforços no ótimo Projeto Lobato da Tv Educativa. Também divididos entre seus trabalhos para a TVE e suas experiências paulistas, os Contadores de História deixaram este ano o público carioca sem as suas criações. O grupo Revisão levou às últimas consequências seu entusiasmo para se dedicar aos bonecos, mas com isso deixou de fazer teatro durante toda esta temporada, já que seus componentes ficaram inteiramente tomados por tarefas administrativas e burocráticas na Associação de Teatro de Bonecos ou no Serviço Nacional de Teatro. Wolf Maia, que nos últimos anos vinha apresentando uma bem humorada revisão musical de Maria Clara Machado, numa linha quase chanchadística, também preferiu tentar a sorte em plagas paulistas. Se não fosse pelo trabalho de Sílvia Orthof e sua Casa de Ensaios, mesmo assim numa remontagem, a do excelente Viagem de um Barquinho, e pela reabertura do Tablado com um novo espaço e um novo e belo espetáculo, Quem Matou o Leão?, teria sido praticamente total a ausência daqueles que vinham sendo os responsáveis, nos últimos anos, por um mercado surto de renovação e inventiva em nossa linguagem cênica para plateias infantis, num trabalho que recusava o conformismo e a satisfação fácil da contemplação do próprio umbigo.

E nessa terra de ninguém deixada vazia, muito pouca coisa surgiu que se pudesse instalar em pé de igualdade com a lembrança dos ausentes. O Grupo Hombu, que surpreendera com A Gaiola de Avatsiú, não fez nada novo que confirmasse suas belas promessas.

Surgiram duas boas surpresas: o pessoal do Navegando, com seu Tá na Hora, Tá na Hora, criativo e consistente, e o grupo que montou Cantares em Desafino, despretensiosamente mostrando que tem condições de ter vindo para ficar, com uma peça inteligente e divertida. Vindos de temporadas anteriores, dois grupos confirmaram suas qualidades e defeitos e, se conseguirem reforçar as primeiras, terão condições de superar os últimos: o Carreta, sempre com a magia de seu trabalho com bonecos, capengando em cima de textos fracos e ingênuos, e o Ponto, que teve com o Canhão Eletrônico uma de suas melhores montagens recentes, mas sempre gelidamente distante. Deu para notar um nítido crescimento no trabalho intenso de José Roberto Mendes, apoiado nos esforços do produtor Rodrigo Farias Lima. Estreando três peças bem diferentes, O Mago das Cores, A Revolução dos Patos e A História do Boi Tungão, os dois injetaram uma saudável dose de seriedade e profissionalismo na temporada, mostrando que sabem o que querem e têm tudo para chegar lá muito em breve. Merecem ainda ser lembrados dois espetáculos: a remontagem de O Dragão e A Fada, de Nelson Lins e Barros e Carlos Lyra que, se não fosse pelos equívocos da direção, seguramente teria sido um dos pontos altos do ano, e O Leão Sonhador na Cidade Egoísta, com o qual Luis Sorel tentou dar prosseguimento a seus acertos em José de Maria. No mais, fora uma ou outra ilha de boas intenções que não chegaram a um resultado à altura do que pretendiam, o ano foi uma enxurrada de arapucas comerciais do mais baixo nível, apressadas, num profundo desrespeito ao público, e de uma falta de originalidade e sensibilidade de dar vergonha e constrangimento aos espectadores.

Difícil saber por que isso tudo aconteceu, e não deve haver uma causa única. Muitos dos ausentes da temporada continuaram seu trabalho para crianças, só que em outras áreas, que não aparecem. Mas é impossível deixar de constatar que, no momento em que uma relativa abertura poderia oferecer novos espaços para a reflexão crítica sobre o instante e a sociedade em que vivemos, não apareceu quem o fizesse à altura do entendimento infantil. Quando se compara esse quadro com o surto de literatura infantil que vem ocorrendo com grande vitalidade entre nós, o fato se torna ainda mais estranhável. É como se as pessoas que fazem teatro para crianças, de tanto terem lidado apenas com metáforas, tivessem esquecido que o indispensável simbolismo da linguagem infantil passa necessariamente pelo significado, só assim as coisas têm sentido. E quando não se consegue perceber o sentido do que está ocorrendo em torno, fica muito difícil trabalhar com símbolos. Ou, aliás, fazer qualquer coisa bem. Ainda mais teatro. Sobretudo para crianças.