Inês Cardoso e Gualter Costa no antigo – e ainda surpreendente – musical.
Foto Monica Botkay

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 27.08.1994

 

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O clássico continua atual

O ano de 1977, quando o Grupo Navegando, comandado por Lucia Coelho, estreava o espetáculo Tá na Hora, foi marcado por contradições. O então presidente Geisel, já passando a faixa para Figueiredo, decretava o recesso do Congresso Nacional, o divórcio era aprovado no país e dois mil participantes do terceiro Encontro Nacional de Estudantes eram presos pela policia, enquanto a escritora Rachel de Queiroz entrava para a história como a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. O conturbado panorama acabou se refletindo nos palcos. O Tá na Hora de 1977 era bem mais que uma história de circo. Em cena, a figura do opressor e seus desmandos provocava a revolta dos oprimidos. Uma ode ao “todos juntos somos fortes”, onde o que se queria dizer vinha maquiado por alegre colorido musical.

Tá na Hora de 1994 perdeu sem dúvida o tom de manifesto, mas acabou conquistando uma nova plateia. Ainda sob a direção de Lúcia Coelho – também no palco, manipulando o bem mandado Alfredo -, o espetáculo, que mistura atores e bonecos, não tem qualquer apelo comercial que torne irrecusável o convite de ir ao teatro. Mantendo sua estrutura inicial, mesmo passado o impacto da mensagem política, o espectador se envolve com a história, dando resposta surpreendente ao que é mostrado. Numa cidade imaginária, sobram, depois do vendaval, apenas uma menina e um lobo. Confusos com êxodo populacional, a dupla resolve juntar suas forças e partir para um novo caminho. Como estratégia para conseguir uma passagem que o leve de novo para a África, o lobo, agenciado pela menina, consegue emprego no circo. Mas o senhor Bambolini só quer saber de explorar o talento alheio sem desembolsar um tostão, e este é um problema muito atual. O show, que não pode parar, desfila suas atrações até que a trupe, revoltada e unida, contra-ataca e derruba o poder de Bambolini. Que por certo vai chorar na cama, que é lugar quente. A história não acaba em pizza, mas num anacrônico, porém divertido, cancan.

Lucia Coelho e os atuais navegantes – Inês Cardoso, Joaquim de Paula, Ana Velloso, Cacau Gondomar, Clarice Assad e Gualter Costa -, manipulando os bonecos de Fernando Santana (também cenógrafo), por certo não pretendem inaugurar uma nova era no teatro de animação. São atores talentosos, dando vida a brinquedos simples e bem confeccionados. Qualquer engrenagem eletrônica que esteja por trás das tapadeiras, movimentando o cenário, como no caso da atraente bandinha de New Orleans, tem para o espectador a aparência artesanal dos automatiques comuns na França. A colaboração da luz de Aurélio de Simoni para que a magia se opere é imprescindível.

As músicas de Caíque Botkay, feitas especialmente para o espetáculo, e a direção musical de Joaquim de Paula, que incorpora hits como E o Vento Levou e Only You as trilhas de Nino Rotta, estão perfeitamente adequadas à proposta de encenação.

O Tá na Hora em sua versão atual, é à volta de um clássico supostamente datado, que pega a plateia infantil de surpresa. O truque é explícito, e este talvez seja o truque.

Tá na Hora esta em cartaz no teatro Vanucci, aos sábados e domingos às 17h30, ingressos a R$5.

Cotação: 2 estrelas (Bom)