Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 17.08.1991

Barra

Apesar de tudo, as crianças gostam

“Companheiros estudantes, preparem-se para se espantar. Como a senhorita Travanel já disse, o nome do livro que eu li é a Ilha do Tesouro. É sobre esses piratas. Piratas com faixas sobre o olho, dentes de ouro brilhante e aves verdes sobre os ombros. O livro foi escrito por um cara chamado Robert Louis Stevenson, e publicado por uma de nossas maiores editoras. Então, em conclusão, na escala Simpson de 1 a10, sendo 1 mais baixo e 100% a média, eu dou 9. Alguma pergunta?… O nome do pirata?… Barba Negra? Capitão Nemo? Capitão Gancho?… Barba Azul!”

Esse problema, vivido por Bart Simpson em sua sala de aula, não está muito distante daqueles que tivemos de enfrentar nos tempos escolares, guardando para sempre na lembrança que Iracema era uma “virgem dos lábios de me” e tinha os cabelos “mais negros do que as asas da graúna”.

Sopa de Letrinhas, de Cláudio Ramos, tem a proposta de desmistificar a leitura chata e obrigatória, imposta pela professora a seus alunos. Se a ideia é bem intencionada, o texto se revela confuso e truncado. O espetáculo começa quando todos os personagens, exceto o menino (e o público), já entenderam muito bem que em cena está se passando uma armação – do livro (Sopa de Letrinhas), da empregada, da menina e do cachorro – para que ele (o menino) se descubra personagem da história e resolva ler o livro, achando assim a solução para todos os seus problemas. Enredo este que deixaria boquiaberto o mais fervoroso contestador do whodonit.

Apesar da trama comprometida, o espetáculo se revela na ação. A direção de Cláudio Ramos é ágil e procura tirar o melhor de seus atores mirins. Duda Little e Eduardo Macieira cantam, dançam e representam com muita naturalidade e disposição. A coreografia de Geraldo Laclau e a música de Antonio Celso mostram a duplinha num dos melhores momentos de espetáculo, quando discutem, cantando e dançando, “porque homem não pode chorar”.

Elcio Conti compões o personagem livro com os gestos bem marcados exigidos pelas situações que se apresentam. Quando é só um objeto a mais na estante, ou quando toma vida para intervir na história. Cláudio ramos, que já acumula autoria e direção, também está em cena como o cachorro Furreca, composto com graça e desenvoltura. E na postura de quadrúpede, o que não só é difícil e cansativo para qualquer ator, mas diferencia o personagem de outros animaizinhos que frequentam os palcos infantis, tão bípedes e sardentos como uma Rita Pavone. Cristina Várzea, dividindo-se por três papéis (empregada, professora e preguiça), acaba se perdendo em sotaques e perucas, e tenta superar essa dificuldade contracenando com a plateia.

Sopa de Letrinhas, mesmo sem o glamour de um sundae de morango, ou a popularidade das batatinhas fritas, conquista o público infantil, que sobe nas cadeiras nos momentos de tensão ou corre para a boca de cena participando ativamente do espetáculo.

Cotação: 1 estrela ( regular )