Matéria publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Roberta de Oliveira – Rio de Janeiro – 12.09.1998

Sonhos Infantis Festejam a Maturidade

Teatro para crianças celebra 50 anos com multiplicação de peças e grupos consolidados Cada vez mais distante do preconceito de que se ressentia até alguns anos atrás e calcado no trabalho de grupos que mergulham na busca de novas linguagens, o teatro infantil brasileiro tem bons motivos para celebrar seus 50 anos . A avaliação é assinada por jovens diretores e atores que se especializaram no gênero, como Karen Acioly, Dudu Sandroni, Cacá Mourthé e Márcia Frederico, além de pessoas que marcaram a história do teatro infanto-juvenil como Maria Clara Machado e Lucia Benedetti.

– Quando assisto a um espetáculo de uma companhia estrangeira, tenho certeza que nosso teatro infantil está à frente de qualquer outro, principalmente no que diz respeito à agilidade e a musicalidade – , avalia Karen, que estreia dia 10 de outubro no teatro do Centro Cultural Light o infantil Festa no Céu, com músicas de Braguinha. – Muitas pessoas não lhes dão o merecido crédito, mas esses elementos tiveram um papel determinante nesses 50 anos de teatro infanto-juvenil”.

Maria Clara Machado enfatiza o lado educativo dos espetáculos

Uma das principais homenageadas da festa em comemoração aos 50 anos do teatro infanto-juvenil no Brasil, que aconteceu na última quarta- feira no Palácio Gustavo Capanema, a diretora e dramaturga Maria Clara Machado acredita que nesta última metade do século o gênero só progrediu. Maria Clara já está há 47 anos à frente do teatro Tablado.

– De uma coisa completamente tatibitate, aos poucos começou a surgir uma dramaturgia específica para crianças – avalia Maria Clara, que hoje verá a sua Gata Borralheira, que escreveu e encenou pela primeira vez há 35 anos à frente do teatro Tablado sob a direção da sua sobrinha Cacá Mourthé. – A produção para as crianças é mais importante do que aquela para os adultos porque elas são como filmes para radiografias não usados, em que ainda é possível imprimir coisas boas e ruins. Tenho certeza de que os atores e grupos estão cada vez mais conscientes disto.

Cartões telefônicos lembram as cinco décadas do gênero

Do Alto dos seus 84 anos, Lúcia Benedetti, autora de O Casaco Encantado, peça que provocou a reviravolta do teatro infanto-juvenil e que é considerada o marco inicial dos 50 anos, fica orgulhosa cada vez que abre o jornal e vê os espetáculos para crianças se multiplicarem pelas páginas. Assim como Maria Clara, ela recebe em vida uma homenagem por seu trabalho junto às crianças: seu rosto foi reproduzido num dos nove cartões telefônicos que a Telerj, a pedido do Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude (CBTIJ), lançou por conta das comemorações.

– Se na minha época existiam apenas cinco ou seis companhias de teatro que montavam peças para crianças, hoje, ao abrir o jornal, tem dias que conto mais de 40 espetáculos. Nem posso acreditar – comemora Lúcia. – O teatro infantil começou assim, meio por acaso, e acabou sendo sustentado pela disposição e pela paixão de pessoas que, na época, ainda eram amadores.

Foram esses amadores que lançaram as bases para a formação de grupos hoje bem estabelecidos, como a Companhia de Teatro Medieval, que este ano comemora dez anos de estrada, tendo no currículo espetáculos aplaudidos como A Farsa de Inês Pereira e, mais recentemente O Médico Camponês.

– Nos últimos dez anos, o teatro infanto-juvenil brasileiro ganhou força e respeitabilidade – diz Márcia Frederico, uma das integrantes da Companhia de Teatro Medieval. – É claro que ainda existem pelo Brasil pessoas que tem visões antiquadas sobre o teatro infantil, mas no Rio, em que a produção teatral para crianças está caracterizada por uma forte presença de companhias estáveis, a expectativa é que se avance cada vez mais. A estabilidade dos grupos permite que eles experimentem novas fórmulas e ousem até mais do que os que trabalham para os adultos.

À frente do Núcleo de Teatro para a Infância e Juventude, responsável por espetáculos como Ludi na TV, Quem Segura este Bebê? e Marco Polo, o diretor Dudu Sandroni acredita na força das companhias de teatro infanto-juvenil, mas alerta para algumas mudanças que percebe nos encontros organizados mensalmente no Teatro Ziembinski, reunindo artistas ligados ao teatro infanto-juvenil.

– Estamos num momento de avaliação. Se até hoje seguimos o modelo de companhias que herdamos do teatro adulto da década de 70, agora esses grupos querem encontrar novas formas de sobrevivência – diz Dudu, que vai reunir o resultado dos encontros realizados no Ziembinski no quinto número do “Caderno de Espetáculos”. – É um momento decisivo porque, se os grupos não descobrirem novas formulas, o teatro infanto-juvenil poderá passar por uma série de mudanças radicais nos próximos dois anos.

Eu fui uma Bomba Atômica

Lúcia Benedetti relembra a criação da comédia surrealista que deu origem ao gênero

Deitada na cama que raramente abandona, mas por comodidade do que por problemas de saúde, Lúcia Benedetti vasculha vagarosamente uma das tantas pequenas bolsas que a cercam em busca de um objeto. Em pouco tempo, ela abre um largo sorriso e estende a mão tremula. Entre os dedos, o cartão telefônico que traz a impresso parte do cartaz da pioneira peça O Casaco Encantado e uma foto 3×4 dela ainda jovem.

– Este é para você – diz Lúcia, pausadamente – Mas vê bem o que vai dizer ao telefone porque eu estarei no meio. Aos 84 anos, ela se lembra perfeitamente dos acontecimentos que a levaram ao teatro em 1947, Francisco Pepe, irmão do ator Raul Roulien, encomendou a Lúcia uma peça para crianças, mas pediu que antes assistisse a uma apresentação de Hans und Gretchen, que um grupo austríaco apresentava no Brasil.

– Era um horror – lembra Lúcia. – Eles corriam de um lado para o outro como malucos. A experiência me fez aceitar a proposta e comecei a escrever uma comédia surrealista para crianças. Mas não inventei o teatro infantil no Brasil. Antes de mim muita gente boa já tinham trabalhado como o gênero. À medida que Lucia reconstitui a estreia da peça um ano depois no Teatro Ginástico – evento que a deixou apavorada e constrangida diante dos aplausos – ela deixa de lado a modéstia inicial.

– Eu fui uma bomba atômica – diz Lúcia, que fez mais dez peças, além da ópera A Menina das Nuvens (com Villa-Lobos), e hoje ainda escreve e dá palpites nos enredos da filha Rosa Magalhães. – Reguei o jardim até então seco e hoje ele está florido.