Eliana, Márcio, Elizabeth e Affonso querem que o livro seja familiar ao brasileiro. Foto: Alaor Filho

Matéria Publicada no Jornal do Brasil
Por Alaor Filho – Rio de Janeiro – 26.03.1991

Barra de Divisão - 45 cm

Programa Abre Espaço à Leitura

A Biblioteca Nacional e a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) firmaram um convênio que pretende fazer o brasileiro ler. Numa iniciativa do diretor da biblioteca, Affonso Romano de Sant’Anna, a fundação foi acionada para preparar o anteprojeto de um programa nacional de leitura que incluirá desde a formação do “adulto leitor”, base para que as crianças leiam, até a criação de bibliotecas em creches e jardins zoológicos. Para a presidente da fundação, Elisabeth Serra, a principal novidade ao projeto é de ser solicitado por órgão do governo.

“Com a Biblioteca Nacional assumindo essa incumbência, abre-se um espaço para a leitura que não existia. Isso nos dá uma esperança”, diz Elisabeth. A fundação não criará uma campanha de leitura, mas um caminho para “enraizar” a prática de ler no país. A dessacralização das bibliotecas, vistas hoje como “redutos de intelectuais ou depósitos de livros” é o principal caminho.

Espaços – Entre as propostas, a de se aproveitarem espaços públicos para criar bibliotecas, além de valorizar as que já existem, através de atividades como debates com autores, exibição de filmes e trocas de livros. “Há uma infinidade de ações”, afirma Elisabeth. O programa propõe bibliotecas em museus, jardins zoológicos e até nos hospitais públicos, para que, em vez de se irritarem nas filas de espera, os pacientes leiam. “Queremos que através das bibliotecas, públicas e escolares, a leitura chegue às famílias. Que o trabalhador, no intervalo para o almoço, dê uma parada na biblioteca para ler o jornal do dia, assistir a um filme ou pegar um livro”, diz Eliana Yunes, ex-presidente de fundação e também autora do anteprojeto.

O caráter nacional do programa trará à cena, ainda, os ministérios, como o da Saúde e Ação Social. “Cada campanha de saúde deve ter folhetos e cartazes cuidadosamente preparados, para que as pessoas leiam e entendam. Não se está
habituado a ler no país; o comum é uma pessoa com folheto na mão querer explicações verbais de alguém”, analisa Eliana.

Garantir a intimidade com os livros dependerá principalmente da formação do “adulto leito”, como definem as técnicas da fundação. Para isso, o programa inclui a criação de kits contendo instruções e sugestões de atividades para
orientar qualquer adulto que vá lidar com a leitura, “do pai e do avô, ao professor e bibliotecário”. Segundo Elisabeth, a fundação já tem profissionais em vários pontos do país, capazes de dar essa orientação, mesmo em pequenas cidades. Cartazes convidando a ler, além de frases e textos sobre leitura impressas em cadernos, agendas e lápis distribuídos pelo MEC, também farão parte do programa.

Televisão – As campanhas de televisão também estão previstas, mas com uma ressalva. “Só se tornam eficazes
combinadas com uma retaguarda bem estruturada”, alerta Elisabeth, citando, como exemplo, a campanha veiculada pela televisão, em 1986, Um país se faz com homens e livros, que consumiu milhares de dólares. “De que adianta dizer isso às pessoas, se não há como pôr a leitura em prática? Não se formam bons bibliotecários nem se oferecem livros”, explica.

Affonso Romano já entrou em contato com o ministro da Educação, Carlos Chiarelli e com o Secretário Nacional de Cultura, Sérgio Paulo Rouanet. “O governo está aberto”, garante ele, que explica o movimento para a criação do
programa como “uma conjunção histórica de pessoas e oportunidades”. A Biblioteca Nacional está em contato com a Câmara Brasileira do Livro, que reúne os editores do país e firmou convênio com fabricantes de papel que fornecerão,
anualmente, 1% do faturamento para ser aplicado no incentivo à leitura. A verba é calculada em cerca de US$ 4 milhões de dólares e o diretor do Departamento Nacional do Livro da Biblioteca Nacional, Márcio Souza, está em entendimentos com a câmara para colocar à disposição as sugestões do anteprojeto da FNLIJ. “Aplaudimos esse convênio e queremos colaborar”, diz.

Criada há 23 anos, a FNLIJ orienta uma série de projetos de leitura espalhados pelo país e também exporta um know how que não é adotado pelo governo brasileiro mas interessa aos governos estrangeiros. “Embora o brasileiro não leia, temos uma fundação com o prestígio internacional”, diz Affonso. No México, foi criada uma fundação pró-leitura,
justamente quando a similar brasileira foi extinta pelo atual governo. Já a Venezuela, por sugestão da FNLIJ, criou bancos de livros (com direito a depósito, saque e empréstimo) em todo o país, prática que ainda não foi adotada
aqui. “Lá, nos disseram que o Brasil precisa importar o Brasil”, conta Eliana. O anteprojeto da FNLIJ será colocado em discussão durante o congresso da fundação que ocorre a cada dois anos, previsto para julho próximo.