Matéria publicada no Jornal do Brasil – Caderno B (6 col. x 68 cm)
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 30.09.1995

Barra de Divisão - 45 cm

Maria Clara Machado reclama reconhecimento e volta a dirigir seu mais famoso texto no Tablado

As vésperas de comemorar os 40 anos de Pluft, o Fantasminha, a autora Maria Clara Machado, depois de dois anos sem dirigir, volta ao comando mais generalíssima do que nunca. Ela estreia hoje, no Teatro Tablado, mais uma versão de sua mais famosa peça. O texto, que, foi escrito em 20 dias, em 1955, depois de uma briga de Maria Clara e o namorado, volta ao palco a pedidos de mães e avós que querem mostrar a nova geração a história do fantasma, que, muito a propósito, tinha medo de gente.

Embora considere O Cavalinho Azul sua favorita, Clara – que tem em sua carreira inúmeras montagens nacionais e internacionais (leia abaixo) – diz que Pluft é sua peça mais bem \feita: “Ela é a mais completa, dura só uma hora e tem tudo, humor, poesia e situações. Quando fiz análise, descobri que Pluft representa o medo que todos nós temos de crescer, o medo do outro. Quando Pluft se confraterniza com Maribel, eles acabam com o medo da plateia e a catarse é real”

Mas se Pluft tinha lá seus medos, a festa que se arma no Tablado tem mulheres muito corajosas à frente dos preparativos. Reunidas em uma das muitas salas, criadas como um desenho de Escher (uma profusão de escadas que interligam os vários níveis do teatro) à volta do palco, Eddy Resende e Vânia Velloso (que estão no Tablado desde a sua inauguração, em 1951, e que também participaram da primeira montagem de Pluft) mais Silvinha Fucs (que chegou no final dos anos 60 e que foi Mãe Fantasma nas últimas três encenações) hoje cuidam de tudo: desde a parte administrativa do Tablado a problemas de última hora. O sumiço das botas de um dos atores, por exemplo, é equacionado rapidamente com uma ida à Sala da Betty, um enorme depósito de figurinos e adereços usados pelos alunos nas aulas e eventualmente em algumas montagens. O local tão óbvio para quem conhece é só mais um dos compartimentos do laboratório de Maria Clara.

“Quando escrevo sei exatamente de que lado do palco o ator vai entrar. Aqui a gente experimenta muitas vezes até encontrar o ponto. É um trabalho de autora, muito ligado a direção. É por isso que às vezes fico magoada quando não reconhecem meu trabalho como diretora. Falam muito do Gerald Thomas, do Gabriel Villela, que eu adoro e vejo tudo, do Antunes Filho. São todos maravilhosos, mas também quero ser reconhecida. Quando ficam falando que sou a fada do teatro infantil, esquecem que já montei Gorki, Tchecov e Thorton Wilder. E olha que dirijo direitinho. Não é Vânia?”

Convocada a dar sua opinião, Vânia Velloso, a primeira Maribel de Pluft, na montagem de 1955, não é pega de surpresa e tem resposta direta: “A Clara é uma diretora extraordinária. Quando fiz Maribel, tive que aprender tudo, a gritar socorro pela janela, a desmaiar em cena. A paciência dela de fazer um ator é impressionante”, revela. Vânia aproveita para fazer uma avaliação das personagens femininas das peças de Maria Clara, dizendo que são todas mocinhas que querem ser salvas: “Maribel é uma delas, Maria Minhoca e Maroquinhas Fru-Fru também. As figuras masculinas são fortes e, apesar disso,Pluft é sempre interpretado por uma atriz”.

Atenta ao que diz sua colaboradora de tantos anos, Clara concorda plenamente com a análise sobre a sua obra. “Acho que aprendi isso com papai. Meu pai (o escritor Aníbal machado) achava que mulher era para casar. Ele dizia: “Minha filha, você não sabe cozinhar, nem costurar”. Um dia ele pôs uma toalha de banho jogada na escada e mandou todo mundo se esconder. Eu passei, dei um pulo sobre atoalha e fui embora. Ele saiu do esconderijo dizendo: “Tá vendo, eu não disse que ela não tinha jeito para as prendas domésticas?”

Peça nova na próxima festa 

Depois deste teste, Maria Clara foi aconselhada a seguir a carreira de secretária. Foi para a Panair e depois para o Conselho Britânico e finalmente para o Patronato da Gávea como assistente social, onde diz que começou sua carreira teatral. A Verdade é que o teatro começou em casa, onde reunia os sobrinhos para uma cena (que ela faz questão de representar) sobre as aflições da galinha antes de botar o ovo, e seu alívio depois do fato consumado. O texto e a performance são resultados de suas pesquisas na infância, quando passava três meses por ano na fazenda dos avós, em Minas.

A Coruja Sofia, seu vigésimo texto, que estreou ano passado, trouxe de volta à cena em assunto que atormenta a autora há muitos anos. Desde que foi proibida pelo pai de pôr Plufto Fantasminha em um concurso, depois de ter ganhado dois prêmios seguidos com O Rapto da Cebolinha e A Bruxinha que era Boa, o status de hors-concours e honra que dispensa. “A coisa que mais me irrita é ouvir que sou hors-concours. Agora já estou achando que é verdade, que tenho que dar chance a quem está surgindo. Ao mesmo tempo, não me aposentei, estou trabalhando, subindo no palco, descobrindo coisas novas. Então estou viva. E, viva, concorro,”

Em plena forma, transitando ágil pelas dependências do Tablado, Maria Clara machado, já botou a mágica para funcionar, o que, segundo ela, acontece uns quatro dias antes da estreia, quando todos os elementos enfim se unem. No espetáculo que estreia neste sábado, a dúvida foi se usava ou não uma música na hora em que Pluft e Maribel se encontram. Optou pelo silêncio absoluto. ” É no silêncio que vai ter a música, no não respirar dos dois. “Pluft tem ainda outras novidades. Os cenários da artistas plástica Anna Letycia foram inspirados nos desenhos de Napoleão Moniz Freire para a primeira montagem, e Kalma Murtinho, que já assinava os figurinos nessa época, deu um toque mais chique na Mãe Fantasma, instalando rendas strasses em seu camisolão. Se como autora e diretora Maria Clara Machado comprovou o seu talento, como vidente não faria o menor sucesso. Quando o Tablado, em 1985, completou 30 anos, ela apostou com Eddy Resende que dali a dez anos, na comemoração dos 40 anos, estaria caquética, descendo a escada de bengalinha, e provavelmente caindo de cara no bolo. “Quando o Tablado fez 30 anos eu disse que ia ser empalhada. Mas na verdade a gente resiste porque está trabalhando. Às vezes me dá vontade de parar, de virar grande dama, de só participar de conselhos de Cultura. Deus me livre. Fala-se demais e não se faz nada. A minha característica é a ação, tenho que fazer, para acabar rápido e começar uma coisa nova. Quando uma peça termina, todo mundo fica triste, tem gente que chora, eu não, logo pergunto: Quando é a próxima?”

A Próxima não vai demorar muito. No ano que vem, o Tablado comemora 45 anos e o movimento já é intenso. Além da montagem de um texto inédito de Maria Clara – uma versão de A Bela Adormecida – se organiza um comitê para escolher as novas cadeiras da plateia. Outro para sensibilizar os possíveis patrocinadores (das cadeiras) e um terceiro de emergência para reeditar a venda de cadeiras cativas, caso a segunda estratégia não tenha êxito. De qualquer maneira , é bom lembrar que o Tablado, com seus alunos, ex-alunos, notáveis ou ainda em busca da fama, ocupando todas as salas do teatro com suas oficinas ou aparecendo por lá nas estreias, ou ainda para o famoso chá das cinco, é uma festa que começou em 1951 e não tem hora pra acabar.

As Montagens do Fantasminha no Tablado

1974

1964

1955/1956

 

 

 

 

 

 

 

 

Barra de Divisão - 45 cm

1995

1985

1977

Barra de Divisão - 45 cm

1955/1956

Cenário: Napoleão Moniz freire
Figurino: Kalma Murtinho
Direção: Maria Clara Machado
Elenco:
Carmen Silvia Murgel
Kalma Murtinho
Germano Filho
Vânia Velloso
Eddy Rezende
Roberto de Cleto

1964 

Cenário: Napoleão Moniz Freire
Figurino: Kalma Murtinho
Direção: Maria Clara

Elenco:
Lucia Marina Accioli
Lívia Imbassahy
Fernando Reski
Érico Vida
Flávio São Thiago

1974
Cenário: Juarez Machado
Figurino: Kalma Murtinho
Direção: Maria Clara

Elenco:
Louise Cardoso
Silvia Fucs
Bernardo Jablonski
João Carlos Motta
Milton Dobbin
Paulo Reis
Carlos Wilson

1977

Cenário: Carlos Wilson
Figurino: Kalma Murtinho
Direção: Maria Clara

Elenco:
Cacá Mourhé
Silvia Fucs
José Lavigne
Carlos Wilson
Fernando Berditchevski
Ricardo Kosovski
Bernardo Jablonski

1985

Cenário: Carlos Wilson
Figurino: Kalma Murtinho
Direção: Maria Clara

Elenco:
Luiz Carlos Tourinho
Silvia Fucs
Rubens Camelo
Cico Caseira
André Mattos

1995

Cenário: Anna Letycia
Figurino: Kalma Murtinho
Direção: Maria Clara

Elenco:
Mariana Oliveira
Dida Camero
Jaqueline Fernandes
Leandro Hassun
Cícero Raul
Marco André
Maurício Lobato
Alexandre Picarelli