Pedro Dominguez

Texto e Pesquisa: Antonio Carlos Bernardes (*)



Pedro Dominguez: O Teatro de Bonecos de Ilo e Pedro

O Inicio

Pedro Dominguez ou Pedro Touron nasceu em Buenos Ayres em 1936. Estudou pintura no Liceu de Artes e Ofícios, em Buenos Aires. Sempre desenhou muito bem começou a fazer teatro com seu mestre Illo Krugli. Pedro era cinco anos mais novo que Ilo e foi com ele que começou a fazer bonecos, fantoches. Formaram um grupo de bonecos chamado Ta-Te-Ti, logo mudado para Cocuyo. Por problemas políticos resolveram sair de Buenos Aires e viajar pela América Latina se apresentando com seus bonecos.

Ilo e Pedro, Muestra de Títeres Argentina, programa de 1958

A chegada ao Brasil

Em 1948, Augusto Rodrigues criou a Escolinha de Arte do Brasil, na Av. Marechal Câmara. Com o passar dos anos vira um núcleo gerador de ideias e convergência de pensamentos por onde circulava Ferreira Goulart, Nise da Silveira, Darcy Ribeiro entre outros.

As discussões no local eram ricas e ideias de todas as tendências eram discutidas. O debate enriquecia a ideia e não havia censura. A Escolinha tinha o apoio do Governo Federal através do Serviço Nacional de Teatro, que emprestava dinheiro a perder de vista, e montavam peças sem precisar de patrocinadores.

No início dos anos 60, o Rio de Janeiro deveria ter menos de um milhão e meio de habitantes. Então esse núcleo de arte era conhecido por todo mundo e atraía artistas e intelectuais, inclusive da América Latina.

É neste ambiente, que em 1961, chegam os argentinos Ilo e Pedro à Escolinha, depois de se apresentarem em diversas cidades do Chile, Peru e Bolívia. Quem os indicou a Augusto Rodrigues foi Javier Villafañe, um titeriteiro argentino que já havia estado no Rio e inclusive dado aulas ao Augusto e a Maria Clara Machado.

Uma semana após a chegada da dupla, eles já começaram a dar aulas e se apresentar no Teatro da Escolinha (leia matéria de imprensa que fala da dupla). Na Argentina, no final dos anos 50 já existia um forte movimento de teatro de bonecos, inclusive com um Festival Internacional, mas no Brasil, o trabalho mais conhecido era os mamulengueiros do Nordeste. As apresentações de Pedro e Ilo logo resultaram num sucesso, principalmente porque no Rio de Janeiro praticamente não havia espetáculos de bonecos.

Uma dupla afinada

Na Escolinha, eles conhecem Cecília Conde que dava aulas de música e a convidam para fazer parte da equipe. Começaram a aparecer os alunos, entre eles Silvia Aderne e Lúcia Coelho, que acabaram se integrando ao grupo, inicialmente chamado de “Os Bonecos de Ilo e Pedro”. Depois o nome acabou ficando como “O Teatro de Ilo e Pedro”.

Durante os três anos seguintes as apresentações eram na Escolinha, mas em 1964 resolveram levar os espetáculos para outros locais. Os primeiros a serem apresentados foram O Aniversário do Rei e As Aventuras da Bruxa Trapaceira ou De como a Colher tirou o Feitiço. Esta última, levada no Teatro de Arena da Guanabara, que ficava no Largo da Carioca. Com texto de Pedro e músicas de Cecília Conde, a Bruxa Trapaceira recebeu uma excelente crítica de Yan Michalski (leia a crítica).

O Teatro do Aterro

Em 1965, com a criação de um grande parque, o Aterro do Flamengo, Ilo e Pedro foram convidados para idealizar um Teatro de Bonecos (conhecido atualmente como Teatro Carlos Werneck) e embora eles tenham desenhado a planta do Teatro, a construção não foi feita exatamente como eles queriam. Foi um movimento de grande importância, porque dali nasceu, em 1966, o primeiro Festival de Teatro Bonecos da Guanabara. Nesta época o Albino Pinheiro, já falecido, foi um dos grandes incentivadores do teatro para crianças.

Convite do II Festival de Teatro de Marionetes e Fantoches, 1967

Programa do II Festival de Teatro de Marionetes e Fantoches, 1967

Quarto Centenário do Rio

Ainda, em 1966, ano do quarto centenário do Estado Rio de Janeiro, Murilo Miranda que trabalhava no SNT, resolveu patrocinar um grande espetáculo para a cidade. Escolheu produzir El Retablo de Maese Pedro, uma opera de Manuel de Fallia adaptada de Don Quixote de la Mancha, que seria levada pela primeira vez no Brasil. Miranda convidou o Gianni Rato para dirigir o espetáculo. Por sua vez, Gianni Ratto chamou o Pedro e Ilo para fazerem 80 bonecos necessários para o espetáculo e o cenário (leia as críticas de Yan Michalski e Renzo Massarani).

Esta ópera teve o Maestro Isaac Karabtchevsky, regendo a orquestra sinfônica em todas as apresentações. A orquestra ficava ao lado do palco dos bonecos. Estes impressionavam pelo tamanho e diversidade. Havia um cavalo que começava muito grande, e cada vez que retornava a cena, o tamanho ia diminuindo proporcionalmente ao distanciamento da plateia. O último era um pequenino que subia uma montanha. Para a enorme quantidade de guardas que se apresentavam e como não havia tanta gente para manipular, Pedro os colocou numa única vara de alumínio e os armou como se fossem um batalhão. Cada um dos manipuladores entrava com oito soldados. No final o boneco Maese Pedro crescia até um metro e oitenta e destruía o cenário.

A História do Príncipe Africano…, 1969

Ilo durante a apresentação de O Ovo de Ouro Falso, 1965

O Ovo de Ouro Falso, foto David Uzurpator, 1965

Espetáculos que Marcaram

Outro espetáculo que foi muito marcante nesta trajetória foi Ovo de Ouro Falso. Os bonecos impressionavam por sua beleza. Havia um entrosamento muito bom de Ilo e Pedro e foi um momento muito feliz para o grupo. Todo processo de trabalho era o resultado do coletivo e não havia como hoje essa divisão entre os profissionais, em que cada uma faz sua parte isoladamente. Esse espetáculo foi o grande vencedor do II Festival de Teatro de Marionetes e Fantoches, do Governo do Estado da Guanabara, realizado em 1967, no Parque do Flamengo. Neste mesmo ano, o grupo ainda montou As Aventuras do Valente Cavaleiro a Caminho de Belém.

Depois, o grupo montou A História do Príncipe Africano e o Talismã Escondido com as Aventuras do Anjo de Ouro que Veio d’Espanha que levava os atores a cantarem. Nessa experiência, Cecília Conde trouxe os alunos do Conservatório para participarem da montagem. Neste espetáculo o forte era a presença dos elementos da cultura brasileira, dos cantos populares, do Bumba-meu-boi.
Esse espetáculo era o retrato da época. Estávamos em 1969 e antes do AI 5, tudo favorecia para esse espírito.

Os atores começam a aparecer

Em 1969, Pedro e Ilo fundam o Teatro O Arlequim, e começam com uma tendência mais musical. A música era tocada ao vivo e os bonecos começam a contracenar com os próprios atores. Começam a fazer o rompimento ator / manipulador. Dois espetáculos marcam essa tendência, Concerto para os Mais Pequenos  e Músicas do Mar, onde os atores já não se escondem atrás de tapadeiras.

A separação artística

A separação artística de Ilo e Pedro se deu em 1972. Em 1970 eles criaram o NAC – Núcleo de Atividades Criativas, que funcionou até o final de 1972, num casarão de três andares no Humaitá. Nesta empreitada também se juntaram Cecília Conde e Helena Barcelos, que era a esposa do ator Joel Barcelos. Foi uma escola revolucionária para crianças e jovens. Existia um enorme painel, onde as crianças pintavam e que era sempre renovado. Na época, a criação desta escola teve uma divulgação surpreendente pelos jornais e revistas da época. Os quatro fundadores eram pessoas ligadas à educação. Helena Barcelos trabalhava na Escola Souza Leão, Ilo e Pedro trabalhavam no Colégio Eliezer Steinberg, Cecília Conde no Conservatório de Música, além dos trabalhos já realizados na Escolinha de Artes do Brasil.

A imprensa apoiava esse movimento, que na década de 70 era considerado uma cultura de resistência. Foi uma escola de criação revolucionária. Tinha aulas de expressão corporal e de músico terapia. Ainda trabalharam na escola, Angel Vianna, Klaus Vianna, Rubens Correia entre outros.

Depois de quase três anos de funcionamento, o Núcleo foi fechado. Ilo foi para o Chile, onde ficou até o final de 1973 quando decidiu voltar para o Brasil. Pedro também se separa de Cecília Conde, romance este, que se só retomaria em 1975

Hoje sou um, amanhã sou Outro, 1970

Pedro Diretor

Ainda em 1970, dirige os espetáculos de bonecos para adultos Hoje sou Um, Amanhã Outro, de Qorpo Santo e o Retábulo das Maravilhas, de Cervantes. Vale a pena lembrar que todos os espetáculos infantis criados pela dupla, tinham apresentações a noite para os adultos, com uma dose mais crítica e improvisada, de acordo com o estímulo da plateia.

Fazem uma temporada no Teatro Ipanema, e outra no Tablado. Um dos que mais elogiou o espetáculo foi Glauber Rocha, pois o espetáculo rompia com o padrão estético do teatro da época. Neste espetáculo os atores não se escondiam e manipulavam os bonecos a vista do público.

Yan Michalski escreve uma crítica contundente que elogia Pedro como artista plástico, mas o destrói enquanto diretor. Pedro, que até então, só recebia elogios pelos bonecos e textos não absorve a crítica e não quer mais dirigir, continuando a trabalhar em artes plásticas e dando aulas.

E foi quando o Pedro começou a trabalhar muito mais com artes plásticas.

Com a fusão da Guanabara com o Estado do Rio, em 1975, Paulo Afonso Grisolli, importante diretor de teatro e TV, foi convidado a dirigir Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Criou um movimento de circulação cultural pelo interior do Estado, chamado Pacotes Culturais e convidou Pedro, Ilo e Cecília para fazerem parte da equipe. Ilo foi dirigir CACIJ – Centro de Arte e Criatividade Infanto-Juvenil do Méier. Pedro montou um grupo com Lúcia Coelho e Vicente Rocha que levaram espetáculos de bonecos para quase todos os municípios. A estrutura do teatro itinerante foi concebida pelo cenógrafo Luiz Carlos Ripper. Cecília ficou trabalhando na Assessoria Especial da Secretaria. Este projeto durou de 75 a 82.

Parque Lage

Na década de 80, Pedro abriu no Parque Laje, um curso de teatro de bonecos e fez alguns espetáculos. Lúcia Coelho o ajudava no roteiro das cenas. Eram espetáculos mais improvisados, em que mostravam a riqueza da criatividade. De como a mão, ou qualquer outro objeto, podia se transformar em personagens.

Ele continuou dando aulas de bonecos e fazia com os alunos performances. Quando a oficina acabava ele sempre montava um espetáculo com os alunos. Depois criava outro com as crianças e com os professores também.

Pedro Dominguez e uma aluna na Oficina no Parque Lage, 1985

Programa da Oficina de Teatro de Bonecos, Escolinha de Arte do Brasil, em 1980

Arlequinada

Seu último trabalho como autor de teatro de bonecos ocorreu em 1985, com um espetáculo chamado Arlequinada que ficou em temporada no Parque Laje. Roberto Bomtempo dirigiu, Paula Lavigne fez a produção e a música era de Flávio Venturini. O espetáculo foi premiado e o texto ganhou a publicação do SNT.

Pedro ganhou como autor o Prêmio de Teatro de Bonecos do Festival Maria Mazetti.

Ateliê em Copacabana

Um dia, Cecília Conde chega a casa e Pedro estava fazendo vinte e duas máscaras, ocupando todos os recintos. Da discussão pela falta de espaço, pois ela também necessitava, pois nessa época estava criando uma música para balé, Pedro decidiu fazer um ateliê, em Copacabana.

Pedro Dominguez também trabalhou muito em televisão. Participou, fazendo bonecos, do programa Brasil Pandeiro, e o especial A Arca de Noé, onde criou todos os bonecos da arca.

Em 2002, Pedro realiza no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, a exposição Referencial Imaginário. Sempre inovando, em 2003, Pedro realiza desenhos em computador, utilizando o mouse e cria um blog Arte nas Mãos que foi considerado um dos dez melhores do ano.  Veja em www.artenasmaos.blogger.com.br

Vítima de uma pneumonia em agosto, Pedro falece em novembro de 2004. Ao comemorar a quarta edição do Dia Mundial do Teatro para a Infância e Juventude, o CBTIJ escolhe Pedro Dominguez como o grande homenageado da noite.

Cartaz com desenho de Pedro Dominguez, para o Dia Mundial do Teatro para a Infância e Juventude, de 2005

Pedro Dominguez em seu atelier

1964 – O Aniversário do Rei, de Pedro Touron
1964 – Mistérios da Bruxa Trapaceira ou De como a Colher tirou o Feitiço, de Pedro Touron
1965 – A História de um Barquinho, texto e direção Ilo Krugli
1965 – O Ovo de Ouro Falso, de Pedro Touron, direção de Ilo Krugli
1966 – Laurinho vai ao Teatro, de Pedro Touron
1966 – Senhor Rei Mandou Dizer, de Pedro Touron
1966 – El Retablo de Maese Pedro, de Manuel de Falla, direção Gianni Ratto
1967 – As Aventuras do Valente Cavaleiro a Caminho de Belém, direção de Ilo Krugli
1969 – A História do Príncipe Africano e o Talismã Escondido com as Aventuras do Ando de Ouro que Veio d’Espanha, texto e direção Pedro Touron
1968 – Músicas do Mar
1970 – Concerto para os Mais Pequenos
1982 – Arlequinada, de Pedro Touron, direção de Roberto Bomtempo
O Faroleiro

1969 – Ubu, Rei, de Alfred Jarry, SP,  direção Gianni Ratto
1969 – Ubu, Rei, de Alfred Jarry, RJ,  direção Gianni Ratto
1970 – Hoje Sou Um, Amanhã Outro, de Qorpo Santo, direção Pedro Toulon
1970 – Retábulo das Maravilhas, de Cervantes, direção Pedro Toulon

1982 – Prêmio Maria Mazzetti, Melhor Autor para Arlequinada

Texto realizado a partir de informações prestadas por Cecília Conde, em outubro de 2006. Fotos do arquivo pessoal de Cecília Conde.