Matéria publicada no Jornal do Brasil
Por Ana Maria Machado – Rio de Janeiro – 05.11.1978

Barra

Mais um sinal positivo de que as pessoas estão saindo de sua passividade, engolindo sapos com mais dificuldade e se recusando a engolir como sapos: os pais das crianças que frequentam teatro infantil no Rio estão começando a ter consciência de que têm direitos como espectadores. Com essa consciência estão começando a reclamar, protestar, espernear. Ou seja, estão começando a defender seus filhos em vez de apenas entrega-los às babás nas tardes de fim de semana, como embrulhos incômodos.

Ultimamente, os espetáculos infantis que insistem em se iniciar com atraso estão tendo que enfrentar a ira da plateia, até mesmo com casos de gente que pede seu dinheiro de volta para ir embora. Ora viva, até que enfim!

Mas as coisas não ficam aí. Os pais depois telefonam para os jornais, escrevem, reclamam. E não apenas do atraso. Outro dia, numa apresentação de O Dragão e a Fada, quando ao fim do espetáculo o elenco simpaticamente convidou o público para voltar ao mesmo shopping center outro dia para assistir à Revolução dos Patos num teatro vizinho, teve a surpresa de ouvir uma mãe se levantar na plateia e esbravejar contra a suspensão do espetáculo nesse dia porque Grande Otelo tinha ficado preso em compromissos de gravação na televisão e não pôde chegar a tempo. De outra vez, uma informação truncada fez com que o jornal anunciasse um horário diferente do previsto para uma sessão no Gláucio Gill.

O resultado foi que pais e crianças protestaram de tal maneira que tumultuaram a porta do teatro e o caso chegou aos jornais. O mais recente exemplo dessa participação chega a ser comovente. Um dos melhores espetáculos em cartaz, Tá na Hora, Tá na Hora, em plena temporada no Opinião, encontrou de repente no seu caminho os obstáculos do cenário da nova peça, incompatível com suas propostas cênicas e resolveu suspender sua carreira. Ao comunicar ao público que, contrariando o previsto, a temporada se encerraria no dia seguinte, desencadeou-se uma mobilização geral dos pais. Não só se organizaram para voltar no domingo exigindo a permanência da peça em cartaz como anunciado, mas também se dirigiram à imprensa reclamando do fato de um bom espetáculo modificar seu compromisso com o público em plena temporada, alterando seus prazos previstos. Diante dessas reclamações, o grupo responsável pelo espetáculo voltou atrás em sua decisão e continua, ainda que precariamente, por cima do volks que domina o cenário dos adultos. E se explica:

– Quem se propõe a fazer teatro infantil com atitude profissional, isto é, com respeito ao público a que se destina, está sempre sujeito a chuvas e trovoadas: acidentes inesperados, como palco atulhado de cenários fixos para a peça de adultos; iluminação restrita aos poucos spots que sobraram da iluminação prevista para a mesma peça (séria) para adultos. E a seriedade com que encaramos o espetáculo para crianças é menos válida? É justo que os atores de teatro infantil sejam obrigados a improvisar sempre em cima do espaço cênico que encontram? Isto é a constatação de uma realidade que ocorre nas casas de espetáculo que têm atividades múltiplas.

E o grupo Navegando continua:

Tá na Hora, Tá na Hora, depois de enfrentar todos os desafios à sua criatividade e à sua capacidade de adaptação aos incidentes mencionados, parou e pôs-se a parodiar o poeta: “Tem um fusca no meio do caminho/no meio do caminho tem um fusca…”.

E em respeito ao nosso público, fizemos espetáculo com fusca e tudo.

Afinal, isto é teatro, e tudo vale a pena se a intenção não é pequena. Mas achamos que está na hora de tornar públicas todas estas dificuldades, que não são apenas nossas, mas que foram colocadas como uma tônica por todos os grupos que participaram do festival realizado pelo Guaíra este ano no Paraná. Talvez esta situação de segundo plano a que foi relegado o teatro infantil se deva às apresentações limitadas aos fins de semana e à faixa horária anterior ao horário nobre do teatro adulto. Mas, o espetáculo infantil não é a semente que vai despertar na crescente plateia infantil o público sensível e esclarecido do teatro adulto de amanhã? Não devemos à ela espetáculos cuidados e não improvisados?

O grupo não acusa ninguém, nem se limita a uma atitude de reclamar dos outros. Por exemplo, seria fácil fazer jogo de palavras, mas não só, e lembrar que O Dia da Caça está se comportando como O Dia do Caçador em relação a seus colegas de profissão que se dirigem ao público que não pode defender-se – as crianças. Mas, com maturidade, eles propõem o entendimento através do diálogo e do trabalho conjunto:

– Não é nossa intenção apenas apresentar problemas, porque achamos que as soluções para eles estão no diálogo que propomos entre os grupos de teatro, diretores, cenógrafos, administradores de casas de espetáculo, numa atuação solidária de ajuda e respeito ao trabalho específico de cada modalidade de uma arte que é nosso patrimônio comum: o teatro.

Há sintomas de que vale a pena ter fé na solidariedade dos colegas e confiança no profissionalismo de quem faz teatro a sério. Ainda no ano passado, por exemplo, Sérgio Brito e um grupo de teatro infantil tiveram alguns problemas de convivência no Ginástico e aqui mesmo, por esta coluna, trocaram cartas e explicações.