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O Teatro na Estética de Hegel

O tema do teatro nos Cursos de estética de Hegel depende essencialmente de sua concepção da poesia dramática, de modo que é abordado em dois momentos desta obra:

1 – uma vez no capítulo da poesia, em que se trata de um aspecto da poesia dramática, mais especificamente o que se refere à “execução ou representação exterior da obra de arte”

2 – a poesia dramática necessita do teatro, tendo em vista que seu principal conceito é a ação

3 – Diferentemente da épica, cujo tema é o evento exterior e objetivo,

4 – E em contraste com a lírica, que se concentra na efusão subjetiva

O drama, unindo a dimensão objetiva e subjetiva, representa uma ação viva e atual que, para ser captada em todo o seu vigor, desenvolveu este recurso de uma execução no palco.

Com o desenvolvimento da poesia dramática, este fator da execução no palco se torna inclusive uma arte à parte, independente da própria poesia dramática, constituindo uma arte autônoma, que segue princípios próprios.

Devido a isso, o último aspecto que Hegel considera sobre o teatro no capítulo da poesia diz respeito ao equilíbrio que o teatro deve manter com o drama enquanto obra poética, no sentido de que o teatro não pode seguir inteiramente seus próprios preceitos e desprezar o texto dramático, como inversamente também não necessita se submeter apenas ao texto.

Hegel aborda também a  relação com o exterior que deve ser guiada pelo princípio da compreensão, no sentido de que um público deve poder se reconhecer na obra de arte e encontrar nisso uma satisfação. “O poeta cria para um público e inicialmente para seu povo e sua época, que têm o direito de exigir a compreensão da obra de arte e nela se sentir em casa”

“Pois a arte não é destinada a um círculo restrito e fechado de poucas pessoas cultas privilegiadas, e sim para a nação como um todo.. Também ela, que igualmente pertence ao nosso tempo e ao nosso povo, deve ser para nós clara e captável sem ampla erudição, de modo que possamos nos encontrar familiarmente nela e não ser forçados a permanecer diante dela como diante de um mundo para nós estranho e incompreensível” (Cursos de estética)

Nestas duas abordagens, apresentadas aqui apenas de modo sucinto, o aspecto que talvez permita entender um pouco mais a fundo a concepção hegeliana do teatro e que vale a pena investigar reside nos exemplos das obras dramáticas utilizadas, que são todos extraídos do drama moderno.

Hegel dá a entender que o assunto do teatro se liga claramente a uma forma dramática, o drama moderno, e não constitui um tema central para a tragédia antiga, a dos gregos. Para compreender esta posição e ao mesmo tempo o conceito de teatro com o qual opera Hegel, convém que se identifique justamente as duas principais modalidades da poesia dramática, a saber:

1 – a tragédia antiga e

2 – o drama moderno.

A marca da tragédia antiga está na ênfase dada ao substancial e ético: ela realiza de modo pleno as exigências do gênero dramático, ao representar o conflito das potências éticas igualmente legitimadas e a necessária reconciliação do indivíduo com o mundo.

Nela vale a universalidade e a essencialidade dos fins que os indivíduos realizam, ou seja, os seres humanos agentes encarnam potências éticas legítimas que possuem um respaldo na realidade dada.

“Aquilo que de fato interessa no drama, na tragédia e na comédia antigos é o universal e essencial da finalidade que os indivíduos realizam; na tragédia é o direito ético da consciência no que se refere à ação determinada, a legitimação da ação em si e para si mesma; e na comédia antiga pelo menos são igualmente os interesses públicos e universais que são ressaltados”

Os indivíduos apenas fazem algo em vista de uma força ética que neles atua; a ação não é regulada por meras inclinações subjetivas, pelo contrário, é o páthos, esta força objetiva mesma, que leva os indivíduos a uma ação e a uma colisão. O páthos se distingue do caráter (éthos) por ser uma força ética atuando no ser humano desde uma instância objetiva, ao passo que o caráter é uma qualidade subjetiva (embora também seja necessário que os heróis gregos tenham caráter, pois sem ele não sobressai nenhuma individualidade).

O drama moderno se distingue da tragédia antiga, segundo Hegel, basicamente pelo fato de que não apresenta mais uma ação regulada pelo conflito de potências éticas, e sim pelo interesse da subjetividade enquanto paixão pessoal e destino de um indivíduo particular.

O drama moderno é um drama do caráter que, embora se diferencie da tragédia antiga pela inflexão subjetiva, mantém com ela ainda uma certa dependência estrutural.

Pode-se dizer com Hegel que o drama moderno transpõe para o plano subjetivo a estrutura da tragédia antiga: se na tragédia antiga vale o desenvolvimento de uma ação objetiva, no drama do caráter temos um desenvolvimento análogo das paixões na esfera subjetiva; do mesmo modo, se na tragédia antiga a reconciliação é ética, no drama do caráter ela é subjetiva, apenas do caráter consigo mesmo.

Enfim, o drama moderno repete a estrutura da tragédia antiga numa chave subjetiva.

O tipo específico do drama moderno, o drama do caráter, é desenvolvido de modo pleno e acabado por Shakespeare, aos olhos de Hegel o principal poeta dramático moderno. O interesse no drama do caráter reside num peculiar desenvolvimento das paixões, que se articulam no nível dos sentimentos, pensamentos e planos da subjetividade em sua interioridade. A sua única beleza é esta riqueza interior de personagens como Hamlet, Macbeth, Lady Macbeth, Otelo, Cordélia e Julieta, mas interesse ético não existe e os personagens em geral possuem sérias dificuldades quando se trata de sair de sua esfera subjetiva e operar um confronto com a realidade. O resultado disso é a derrota do sujeito quando ele se defronta com a efetividade, de modo que se pode dizer que o drama moderno apresenta uma natureza subjetiva problemática.

O teatro se identifica com o drama moderno, diante desta divisão da poesia dramática, por causa de uma série de aspectos.

Inicialmente, porém, convém partir do fato de que o teatro não constitui para Hegel um tema central da tragédia antiga.

De modo geral isso se deve à orientação que a tragédia nos gregos tem pelo substancial: o conteúdo trágico regula de tal modo a ação dramática que não sobra espaço para o desenvolvimento de uma representação. Isso não significa, na leitura de Hegel, que a tragédia grega não era encenada, muito pelo contrário, ela era essencialmente destinada ao palco. Mas esta encenação da tragédia grega era simples, de modo que não se pode falar que houve um desenvolvimento da arte teatral nos gregos.

Os atores (que não eram profissionais, muitas vezes o próprio autor surgia no palco, como no caso de Sófocles) usavam máscaras e estavam submetidos inteiramente ao conteúdo: a representação grega possuía um traço essencialmente plástico, regulado por parâmetros da arte da escultura. Os personagens eram por assim dizer figuras esculturais no palco.

A identificação do teatro com o drama moderno, por sua vez, ocorre pelo fato de que ambos se situam no nível da subjetividade, tendo como centro o elemento humano em sua finitude e contingência. Ao contrário do rigor clássico que representa o indivíduo ideal, a arte moderna romântica se torna antropomórfica, abrindo um amplo espaço para o ser humano finito, que é enfim o elemento formal básico segundo o qual se articula a arte teatral, por exemplo, a arte de representar no palco.

A arte do ator, segundo Hegel, alcança o seu ápice no discurso, na gestualidade e na mímica, quando são representados personagens dotados de uma subjetividade complexa, como os de Shakespeare. imediata, uma vez que a forma exterior não o afasta, por meio do rigor clássico, contra o particular e casual, mas oferece à sua visão o que ele mesmo tem ou o que ele conhece e ama nos outros do seu ambiente

O lugar do teatro na estética de Hegel é que o teatro situa-se privilegiadamente no domínio do dramático, mas não do trágico.

Desde Aristóteles existe uma poética da tragédia, desde Schelling existe uma filosofia do trágico. É a idéia do trágico que articula o funcionamento estrutural do drama tanto antigo quanto moderno.

Disso resulta que na estética de Hegel o dramático está submetido ao trágico, ou seja, sua proposta é de uma filosofia do trágico e igualmente de uma estética do conteúdo mas não de um discurso orientado por características analíticas concernentes aos elementos propriamente teatrais e formais do drama, como ocorre na Poética de Aristóteles. E assim, o teatro é um fenômeno secundário diante do trágico, não influindo na constituição do caráter trágico do drama, mas apenas em seu caráter exterior de espetáculo.

Aristóteles estabeleceu uma poética da tragédia ao interpretar a tragédia de modo analítico no horizonte da mimese e da catarse, mas não há em sua obra, nem na tradição das poéticas, uma reflexão sobre o conceito e a essência do trágico.

Para entender esta diferença devemos remontar a Lessing. Embora Lessing não abandone as categorias básicas de Aristóteles e considere fundamental que a poesia se mova dentro de limites determinados, ou seja, não rompa com os gêneros, pode-se dizer, por outro lado, ele, ao mesmo tempo abre um novo horizonte para a relativização bem como para uma nova valorização do gênero dramático.

Em suma, a reflexão hegeliana sobre o teatro se encontra fortemente marcada por esta opção, assumida por sua época, de uma filosofia do trágico, em detrimento de uma reflexão analítica sobre a tragédia, feita na reflexão ocidental sobre o gênero dramático desde Aristóteles a Lessing.