Matéria publicada na Tribuna da Imprensa
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 22.10.1988

Barra de Divisão - 45 cm

O Mosqueteiro dos Palcos

Se há alguém empenhado em fazer teatro para (e com) jovens no Brasil, seu nome é Carlos Wilson, vulgo Damião, filho do teatro de Maria Clara Machado, onde estreou com O Boi e o Burro no Caminho de Belém  – e tomou o nome de guerra – este cuidadosos pesquisador vem realizando desde Capitães de Areia (1981) com grande paixão de um primoroso trabalho de transposição para opalco de textos famosos “diante da falta de textos dramaturgicos” para o público jovem:  Quatro Meninas (1986), O Ateneu (1987), A odisséia (1987-88) e agora com Os Três Mosqueteiros, num passeio sem preconceitos pela literatura universal.

Acrescente-se a este empenho, o de trabalhar com jovens mesmo, saídos dos cursos do tablado, da CAL (Centro de Artes de Laranjeiras), mas sobretudo dos  exercícios de pesquisa e estudo na grande sala de aula que o palco se tornou para 40 estudantes, durante os ensaios com Damião.

A peça, no que tem de trabalho cênico, está  efetivamente muito bem urdida. Uma direção meticulosa pensou nos mínimos detalhes e conduziu os jovens atores ao prazer de representar, isto está evidente. A partir dos cenários miniaturizados, que dão perspectiva de profundidade à grande Paris do século XVII, dos figurinos de época criados pela reconhecida Kalma Murtinho, o trabalho de reconstituição é  meticuloso, com os atores esgrimindo e dançando a contento para a platéia sem idade que tem valorizado o espetáculo. A trilha sonora de Carlos Cardoso ponteia a dedo as cenas, assim como a  iluminação de Jorginho Carvalho. Entre a seriedade da representação e a festa do teatro os atores mosqueteiros e miladies investem emoção e disciplina no trabalho. Muitos deles, uma 2ª geração de filhos dos palcos vêem, em Damião, o agenciador de uma experiência inédita para um teatro brasileiro.

Tudo isto aposto, falta reconhecer que a adaptação fidelíssima de textos literários para o palco é um problema de difícil solução. Do Ateneu à Odisséia, Damião experimentou uma travessia de cortes procurando enxugar o texto para salvaguardar os momentos de evidente tensão cênica, indispensável para a seqüência narrativa  da peça. Por muito doloroso – perdem-se cenas lindamente trabalhadas ao longo dos ensaios – os cortes são exigência do próprio andamento do espetáculo.

Neste trabalho sobre Os Três Mosqueteiros,  de Alexandre Dumas, faltou justamente um enxugamento do texto para o teatro, na adaptação de Ana Maria Machado que a direção efetivamente poderia ter assumido. Longo e arrastado, as vezes incompreensível para os menores, o primeiro ato cansa, apesar da beleza e exuberância de algumas cenas teatrais por excelência – como a que apresenta a Commedia dell’Arte, freqüente ainda nas ruas da Renascença, onde a reconstituição do quadro, trabalhoso e rico, não tem mais que um momento para ser apreciado pelo espectador.

O gosto por cenas deste tipo é uma das marcas de Carlos Wilson e não é por certo o que sobra, no espetáculo. O excesso literário da adaptação pesa no ritmo da peça que só alcança envolver o público na segunda parte, com ações mais dramatizadas fazendo economia dos discursos e de recortes espaço-temporais que tumultuam o primeiro ato. Destaque para o próprio D’Artagnan (Enrique Dias), para Maruí Aklander, no Rei caricaturado, e para a febril cigana de Izabel Kutner.

Um espetáculo, de todos os modos, para ser visto com prazer por pais e filhos, dedicado esforço de quem, sem preconceitos lida com faixas etárias descredenciadas socialmente: crianças e jovens, que neste ano têm lido poucas chances de ver algo efetivamente artístico.