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O termo Theater Game (jogo teatral) foi originalmente cunhado por Viola Spolin em língua inglesa. Mais tarde ela registrou o seu método de trabalho como Spolin Games. A autora americana estabelece uma diferença entre dramatic play (jogo dramático) e game (jogo e regras), diferenciando assim a sua proposta para um teatro improvisacional de outras abordagens, através da ênfase no jogo de regras e no aprendizado da linguagem teatral.

Nos livros de Winifred Ward encontramos os postulados da Escola Nova, transportados para o ensino do teatro. Apesar de teóricos como John Dewey preverem oportunidades para a expressão dramática na escola, foi Ward quem desenvolveu princípios e técnicas e popularizou a atividade. Playmaking with Children (1947) teve impacto considerável na Inglaterra e em todo o Reino Unido, além dos Estados Unidos, onde o termo Creative Dramatics passou a designar o movimento de teatro realizado com crianças. Peter Slade publicou Child Drama (1954) baseado em trabalhos desenvolvidos durante vinte anos na Inglaterra. Sua tese é a de que existe uma arte infantil, child art. Na definição de Slade, o objetivo do jogo dramático é equacionado pelas experiências pessoais e emocionais dos jogadores. O valor máximo da atividade é a espontaneidade, a ser atingida através da absorção e sinceridade durante a realização do jogo. Dentre os muitos valores do drama está o valor emocional e Slade propõe que o jogo dramático fornece à criança uma válvula de escape, uma catarse emocional.

A diferença mais importante da definição de Theater Game de Spolin, quando relacionada ao Drama (drama) de origem inglesa ou ao Creative Dramatics (drama criativo) de origem americana, reside na relação com o corpo. O puro fantasiar do dramatic play (jogo dramático) é substituído, no processo de aprendizagem com o jogo teatral, por meio de uma representação corporal consciente. De acordo com Spolin, o princípio da physicalization (fisicização / corporificação) busca evitar uma imitação irrefletida, mera cópia.

Dicotomia e polarização de objetivos e técnicas agravaram-se durante os últimos trinta anos no Brasil. Através da influência do escolanovismo e da postura espontaneísta, podemos caracterizar uma tendência que ancora os objetivos educacionais da atividade de teatro na escola na dimensão psicológica do processo de aprendizagem. Nos textos especializados nacionais sucedem-se descrições de objetivos comportamentais que são a justificativa para a inclusão do teatro no currículo da escola.

Ultimamente, o conceito de jogo teatral vem tendo uma larga aplicação na educação e no trabalho com crianças e adolescentes. Paralelamente à prática do jogo teatral em escolas e centros culturais, o método de Viola Spolin vem sendo adotado em escolas de teatro, contribuindo para a formação de atores e professores nas universidades.

O conceito de jogo teatral tem sido entre nós objeto de reflexão e fundamentação teórica, sendo abordado através da conceituação de Piaget e Vigotski.

Na psicogênese da linguagem e do jogo na criança, a função simbólica ou semiótica aparece por volta dos dois anos e promove uma série de comportamentos que denotam o desenvolvimento da linguagem e da representação. Piaget enumera cinco condutas, de aparecimento mais ou menos simultâneo e que enumera na ordem de complexidade crescente: imitação diferida, jogo simbólico ou jogo de ficção, desenho ou imagem gráfica, imagem mental e evocação verbal (língua).

A evolução do jogo na criança se dá por fases que constituem estruturas de desenvolvimento da inteligência: jogo sensório-motor, jogo simbólico e jogo de regras. O jogo de regras aparece por volta dos sete/oito anos como estrutura de organização do coletivo e se desenvolve até a idade adulta nos jogos de rua, jogos tradicionais, folguedos populares, danças dramáticas.

jogo de regras favorece a aprendizagem da cooperação, no sentido piagetiano. Na teoria biológica de Piaget, o processo de equilibração é promovido pela relação dialética entre a assimilação da realidade ao eu e a acomodação do eu ao real. Com foco na psicologia do desenvolvimento, é importante notar que a relação dialética entre assimilação e acomodação não se dá de forma harmônica no desenvolvimento da criança. Na primeira infância prevalece a assimilação da realidade ao eu, determinada pela atitude centrada em si mesma da criança até os seis / sete anos de idade. O jogo de regras supõe o desenvolvimento da inteligência operatória, quando a criança desenvolve a reversibilidade de pensamento. O amplo repertório de jogos tradicionais populares sempre foi instrumento de aprendizagem privilegiada da infância. As brincadeiras de rua, como as amarelinhas, os jogos de bolinhas de gude, as cantigas de roda, os pegadores, o esconde-esconde, as charadas e adivinhas foram documentadas, por exemplo, por Peter Brueghel, em uma imagem paradigmática sobre esse patrimônio cultural da humanidade.

A expressividade da criança é uma manifestação sensível da inteligência simbólica egocêntrica. Pela revolução coperniciana que se opera no sujeito ao passar de uma concepção de mundo centrada no eu para uma concepção descentrada, as operações concretas iniciam o processo de reversibilidade do pensamento. Esse princípio irá operar uma transformação interna na noção de símbolo na criança. Integrada ao pensamento, a assimilação egocêntricado jogo simbólico cede lugar à imaginação criadora.

Por uma correlação com a conceituação piagetiana, a maior contribuição de Vigotski reside no favorecimento de processos que estão embrionariamente presentes, mas que ainda não se consolidaram.

A intervenção educacional do coordenador de jogo é fundamental, ao desafiar o processo de aprendizagem de reconstrução de significados. A zona de desenvolvimento proximal muda radicalmente o conceito de avaliação. As propostas de avaliação do coordenador de jogo deixam de ser retrospectivas (o que o aluno é capaz de realizar por si só) para se transformarem em prospectivas (o que o aluno poderá vir a ser). A avaliação passa a ser propulsora do processo de aprendizagem. O conceito de zona de desenvolvimento proximal, como princípio de avaliação, promove, com particular felicidade, a construção de formas artísticas.

No jogo teatral, pelo processo de construção da forma estética, a criança estabelece com seus pares uma relação de trabalho em que a fonte da imaginação criadora – o jogo simbólico – é combinada com a prática e a consciência da regra de jogo, a qual interfere no exercício artístico coletivo. O jogo teatral passa necessariamente pelo estabelecimento de acordo de grupo, por meio de regras livremente consentidas entre os parceiros.

jogo teatral é um jogo de construção com a linguagem artística. Na prática com o jogo teatral, o jogo de regras é princípio organizador do grupo de jogadores para a atividade teatral. O trabalho com a linguagem desempenha a função de construção de conteúdos, por intermédio da forma estética.

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Bibliografia

KOUDELA, Ingrid Dormien, JOGOS TEATRAIS SP: Perspectiva, 1984
——— TEXTO E JOGO SP: Perspectiva, 1999
PIAGET, Jean, A FORMAÇÃO DO SÍMBOLO NA CRIANÇA Rio: Zahar, 1975
SPOLIN, Viola IMPROVISAÇÃO PARA O TEATRO SP: Perspectiva, 1978
——— JOGOS TEATRAIS NO LIVRO DO DIRETOR SP: Perspectiva, 2000
——— JOGOS TEATRAIS. O FICHÁRIO DE VIOLA SPOLIN SP: Perspectiva, 2001
VIGOTSKI, L.S. A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE SP: Martins Fontes, 1984

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Ingrid Koudela
Professora e Doutora em Artes, São Paulo.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 7º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2003)