Crítica publicada no Jornal Vanguarda
Por J. Rego Costa – Rio de Janeiro – 23.10.1948

O Casaco Encantado

Cabe a Dary Reis e a Fregolente a abertura da peça. Por mais paradoxal que pareça, o primeiro daqueles dois atores – e o mais jovem dos Artistas Unidos – tem nesta peça infantil o maior dos seus desempenhos, desde que entregou a Henriette Morineau a direção da sua carreira teatral. Temo-Io visto em todas as peças da sua Companhia, e se, até o momento, ainda não havíamos aberto colunas para elogiar de modo especial as suas realizações terá sido por uma coerência de princípios: em Medeia, achamo-lo um pouco desmedido de atitudes; em Uma Rua Chamada Pecado, já o vimos mais traquejado na sua pequena ponta de cinco minutos; em Só nós Três, Dary já esteve bem melhor, só não tendo maior realce a sua performance devido à personalidade ingrata do filho mais novo da senhora Phelps; o José de O Casaco Encantado está perfeito, convence plenamente. Os adultos acreditaram nele, quanto mais às crianças.

Fregolente foi um discreto João e teve uma boa participação até o momento em que o bruxo o transforma num sapo; dai por diante, o sapo deu saltos e pregou sustos.

Ainda no primeiro ato, aparece Graça Melo. O inefável bruxo esteve excelente e não sei se haveria exagero em chamá-lo assustador, notadamente na sequencia do terceiro ato, no laboratório de Merino, em que ele ferve um caldeirão de onde saem chamas. Impagável a sequência do sono! E que dizer da briga com a bruxa?

Henriette Morineau só aparece no segundo ato; vê-la fantasiada de bruxa, tendo entre as mãos um cabo de vassoura quebrado, é uma sensação inédita para quem está acostumado a aprecia-la em interpretações de alta dramaticidade, rugindo de cólera como esposa desprezada por Jasão, sonegando egoisticamente os filhos à conquista sentimental. Na sua realização da bruxa de O Casaco Encantado, esta notável atriz põe à prova, da maneira mais patente, os seus elevados recursos artísticos, desempenhando com uma felicidade invulgar o seu papel humorístico e versátil. Não tenho mais adjetivos para ela.

O Rei – Jacy Campos atuou a contento, com uma boa caracterização e uma plena consciência do seu papel sério-burlesco; Flora May esteve muito simpática no papel pouco influente da Princesa (no segundo ato, ela teve uma aparição logo no inicio, que nos pareceu extemporânea; depois voltou a tempo). As noticias dos jornais anunciaram Margarida Rey como pagem; sentimos falta dela.

Um parágrafo especial para enquadrar Nilson Pena, que não diz nada que se ouça mas que se sabe ser credor de uma grande parte do sucesso da peça; e Maria Castro a simpática aia de Medeia, que não víamos desde aquela breve aparição em Uma Rua Chamada Pecado (Flores, Flores, Flores para los Muertos! Deu-nos esta última uma excelente vovozinha, de timbre agradável e gestos brandos.

Desejamos realçar um ponto essencial no espetáculo de sexta-feira: a grande responsabilidade de que se revestiu a performance para todos os atores em cena. Não havia ali crianças que desculpassem erros e tergiversões; ali não estavam adolescentes ingênuos para quem as cenas da peça fossem apenas ilusões e fantasmagorias – pelo contrário, a plateia do Ginástico naquela noite seria o que pode considerar de uma verdadeira elite de público. Henriette Morineau e seus companheiros compreenderam bem a sua responsabilidade e souberam compensar à larga o comparecimento do seu apurado auditório.