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Escrever sobre mímica no Brasil é contar história. Não temos uma dita “escola tradicional” como na França e em outros países, em que as pessoas podem cursar durante anos técnicas aprofundadas sobre o método de Etienne Decroux ou compartilhar a Escola de Marcel Marceau em Paris. Nossos entusiastas gestuais imigram em busca de conhecimento ou compartilham com aqueles que nos trazem sua bagagem de outras terras. Comigo, assim foi. Em 1991, felizmente cursei uma oficina de cinco finais de semana com o mímico português Luís de Lima no Museu Imperial, RJ (lugar perfeito para uma oficina de mímica clássica com um mímico português). Lá tive o primeiro contato com exercícios clássicos, segmentação, poesia e muitas histórias contadas pelo partner de Marcel Marceau. Luís de Lima foi o precursor da mímica moderna no Brasil, pois em 1953 estreou o primeiro mimodrama em solo brasileiro – O Escriturário. Depois aproveitei a ida do espetáculo O Cobrador ao Rio de Janeiro, em que o mímico paulista Fernando Vieira atuava, assinava a preparação mímica e ministrava um workshop de uma semana.

No ano seguinte (1992), o mesmo Luís de Lima realizou nas salas da Fundação Cultural do IBAM – RJ uma audição seguida de um curso para montagem do que viria a ser o seu último mimodrama, O Pierrô que vem de longe. Ali tivemos uma aglomeração de artistas gestuais.

Dentre eles: Tatiana France, Nadia Thalji, Sérgio Bicudo, Toninho Lobo, Jiddu e eu. Após uma curta temporada, formei uma dupla com Jiddu, onde durante dois anos exploramos a linguagem das pantomimas e tive a oportunidade de dirigir o espetáculo de sua autoria Por Detrás do Silêncio. Mais do que dirigir pude trocar experiências, e principalmente me impregnar artisticamente com o estilo histriônico e arrebatador deste mímico curitibano que é discípulo do mímico paranaense Everton Ferre, que por sua vez é discípulo do mímico peruano Jorge Acuña Razzuri, que aprendeu com o seu pai Jorge Acuña Paredes. Junta-se este “caleidoscópio de influências” e hoje encontramos uma nova geração.

Como diz o Jiddu, nós somos quase uma “sociedade secreta” (risos). Nem tanto. O Eduardo Coutinho fez sua tese de mestrado sobre a mímica e nos rendeu um valioso livro (O Mimo e a Mímica), Alberto Gauss conduz o seu “Solar da Mímica” – www.solardamimica.com.br – realizando cursos, Fernando Vieira continua atuando loucamente, influenciando e ensinando. Influencia tanto que Cláudio Carneiro hoje encontra-se no Cirque du Solei com uma pantomima solo. E Jiddu Saldanha?…Ah o Jiddu, este é talvez o mais inquieto mímico, poeta, autor, performer, artista plástico e, não satisfeito (graças a Deus, Jiddu nunca está satisfeito), agora nos promove um verdadeiro “testemunho mímico” ao colocar na internet um blog –   – com entrevistas e informações sobre os mímicos e, como ele mesmo diz: a arte do gesto.

Foi no teatro, em 1992, que tive minha primeira aula de mímica brasileira, assistindo o mesmo Jiddu, e confesso que me assustei com os movimentos, sonoridade e histrionismo que até então não conhecia e que emergiam daquela figura cênica de figurino preto e branco com luvas e máscara branca. Tinha ideia de que os mímicos eram artistas com movimentos suaves e sinuosos e sinuosos e suaves. Puro engano que o tempo me pluralizou.

Aproveito a presença em Santa Catarina para citar o mímico catarinense Juarez Machado, que muito nos influenciou “pintando” pantomimas na TV. E o vizinho Paraná nos proporciona Denise Stoklos, que leva a mímica para o teatro criando o seu Teatro Essencial de forma avassaladora.

Ufa…, neste ano de 2003 fui convidado para ministrar uma Oficina de Mímica no 7º Fenatib, paralelamente às apresentações de dois de nossos espetáculos mimos-teatrais, o infantil O Macaco e a Boneca de Piche e o adulto Fulano & Sicrano. Ótima e necessária esta consciência de trazer para o Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau espetáculos que possam atender ao público, agora adolescente, outrora infantil, mas hoje exigente, visto a pluralidade de espetáculos de qualidade que assistiram nestas últimas sete edições do Fenatib. Quanto à Oficina de Mímica, pude compartilhar com atores de Blumenau e de outras regiões do Brasil um pouco da técnica gestual que hoje busco e muito da minha paixão pela mímica. Foi em um encontro como este que fui fisgado. E acredito no poder que a mímica exerce no espectador e no ator/mímico.

Ao mímico cabe buscar um estilo próprio, criar uma identidade de trabalho; precisamos, sim, beber nas fontes gestuais que estão presentes, mas acima de tudo impormos a nossa identidade artística. Pesquisar e treinar sempre. Não nos deixar levar por modismos. Criar novas pantomimas, pois assim cada vez mais enriqueceremos a pluralidade desta arte gestual.

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Álvaro Assad
Ator e Mímico, Rio de Janeiro.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 7º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2003)