Flor Reeves em cena na peça A Menina e o Sabiá. Fotos: Gasbox Studio

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 26.08.2016

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Duas delicadezas para crianças.

A Menina e o Sabiá e Scaratuja, em suas últimas sessões em São Paulo, encantam pela poesia cênica e pela dramaturgia sem texto.

Depois de viajar pelo interior como atração do Circuito Cultural Paulista e de uma curta temporada no Sesc Consolação, em São Paulo, chega ao Sesc Itaquera, apenas neste fim de semana de 27 e 28 de agosto (como parte da programação gratuita do evento Circo Daqui & Dali), o espetáculo infantil de dança e acrobacias aéreas A Menina e o Sabiá. Sim, é infantil, mas agrada aos adultos também, por sua delicadeza temática, o visual caprichadíssimo e, principalmente, por ser baseado na letra de uma música da velha guarda que as novas gerações talvez não conheçam: Sábia Lá na Gaiola, de Hervê Cordovil e Mario Vieira.

Diz a letra da velha canção: “Sábia lá na gaiola fez um buraquinho, voou… voou… voou… voou… e a menina, que gostava tanto do bichinho, chorou… chorou… chorou…chorou…” É esse o enredo. No palco, Flor Reeves é a menina e Alan Quinquinel é o sabiá. Os dois estão muito bem em cena, concentrados, emocionados, fisicamente muito bem preparados. Contracenam com argolas, cordas, globo, balanços, trapézios.

Monica Alla assina concepção e coreografia. Ela criou em janeiro de 2007 o Grupo Ares, especializado, como o nome já diz, em aparelhos aéreos integrados à dança e à dramaturgia. Miló Martins idealizou o espetáculo e criou a dramaturgia. Esse quarteto – intérpretes e criadoras – demonstra segurança e criatividade. O resultado dessa feliz parceria são cenas de puro encantamento, poesia cênica ininterrupta, ou seja, tudo é de encher os olhos e enternecer o coração. Tudo mesmo, cena após cena.

Contribuem para isso a cenografia limpa e os figurinos românticos do mineiro Marcio Vinicius, da Mais Cenografia. Ele basicamente usa tule, babados e rendas para a menina e plumas para o sabiá. O vestido da menina, quase no final da peça, imita lustre de papel oriental e ganha um volume lúdico.  Os efeitos do movimento das roupas são lindos, casados com uma iluminação impactante de cores variadas (também de Miló Martins). Ao meu lado, na plateia, no dia em que estive no Sesc Consolação, um menino acompanhava atentamente a troca de cores nos holofotes e vibrava na poltrona, comentando com a mãe. “Olha, agora é azul, mãe!”, dizia, por exemplo. A trilha sonora, a cargo de Fernando Narcizo, Evaldo Luna e Ivan Teixeira, é híbrida e bastante funcional, mesclando MPB, erudita e contemporânea instrumental.

Scaratuja

Outra peça muito bacana e que você terá só mais uma chance de ver (sábado, no Sesc Pinheiros) é esse digno exemplar da mais recente vertente do teatro infantil no mundo: o teatro para bebês. A Cia. Catarsis, com integrantes radicados em Jundiaí, aventurou-se pelo mundo sensorial da primeira infância e criou um espetáculo calmo, poético, estimulante, que dura apenas 25 minutos (com mais 25 minutos extras para os bebês interagirem com o cenário e com os atores).

É tudo relativamente muito novo nesse mundo do teatro para bebês. No Brasil, temos o Grupo Sobrevento já virando a referência mais longeva dessa vertente. Em Scaratuja, em uma sala pequena do Sesc Pinheiros, me contaram que há pais voltando para casa com seus rebentos, sem conseguir entrar, tamanha tem sido a procura pela peça. E é curioso observar o ritual necessário para que uma atração desse tipo possa ocorrer sem problemas. O diretor do espetáculo, Marcelo Peroni, conversa alguns minutos com os pais antes de o espetáculo começar, a exemplo do que o Sobrevento já vem fazendo há alguns anos. São muitas preparações, muitos avisos. Não forçar o bebê a gostar, não ficar na sala se o bebê chorar muito, não ficar estimulando o bebê de forma forçada, não atrapalhar a fruição do bebê no ritmo e no interesse dele, não falar ao celular (sempre isso!), enfim, por ser uma modalidade nova, todo esse papo introdutório ainda é muito necessário.

Scaratuja conta com uma trilha sonora incrível, a cargo da POIN (Pequena Orquestra Interativa), com canções originais de Gustavo Finkler (Casa, a canção final, é encantadora) e participação especial da cantora Renata Mattar. Mas a maior força do espetáculo está na relação das crianças com imagens. Algumas ganham até um giz especial não tóxico para ajudar a rabiscar o chão. Os “rabiscos” ou “garatujas” são explorados o tempo todo pelos dois atores em cena, que estimulam a imaginação dos pequenos com linhas, traços, pontos e círculos de todo tipo. O chão é um tapete com diferentes texturas. Não é à toa que, ao final, ninguém quer mais ir embora dali. Vira um espaço rico para recreação e interação entre pais e seus bebês. O grupo estreia com o pé direito nesse formato. Acertando em tudo. Os atores Aline Volpi e Vladimir Camargo assumem a placidez necessária para esse tipo de proposta, com gestos cuidadosos, olhares firmes mas ternos e um figurino lúdico encantador, criado por eles próprios e pelo diretor.

Os limites entre o que é dramaturgia e o que vira apenas recreação ainda são muito tênues e têm sido o principal motivo de debate no mundo todo entre os que praticam teatro para bebês. Mas Scaratuja, me pareceu, é mais do que mera brincadeira. Tem teatro ali, sim. Fragmentos, nuances, conceitos, estímulos – tudo passa pela magia do teatro, que um dia, se tudo correr bem, será parte integrante da vida desses futuros adultos.

Serviço

Local: Sesc Itaquera
Endereço: Av. Fernando do Espírito Santo Alves de Mattos, 1.000 – Parque do Carmo
Telefone:  11 2523-9200
Capacidade: 245 lugares
Quando: Sábado (27), às 14h, e domingo (28), às 11h30 e 15h30
Ingressos: Grátis
Temporada: Até 27 de agosto