Matéria publicada no Boletim SBAT nº 250, Pág. 3
Sem Identificação – Rio de Janeiro – Mar/Abr 1949

Lúcia Benedetti – A melhor revelação de autor no ano de 1948

Na sessão solene que a SBAT realizou em homenagem aos seus sócios premiados pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais, Lucia Benedetti, que foi proclamada a melhor revelação de autor no ano de 1948, foi saudada por Viriato Corrêa, que pronunciou ó seguinte discurso: Andei em dúvida, por muitas horas, sobre o tratamento que, nesta solenidade, eu lhe devia dar. Qual o melhor? Senhora Lucia Benedetti? D. Lúcia Benedetti? Ilustre escritora? Brilhante teatróloga?

Achei mais acertado não pôr enfeite nenhum no nome Lúcia Benedetti apenas. O céu é mais azul e parece maior quando não tem a adjetivação das nuvens. A tela fica mais em realce quando a moldura é simples.

Quando se chega à altura de um renome chega-se limpo, apenas carregando ouro da inteligência transformado em obra; os ouropéis; esses a gente os foi deixando pelo caminho como carga inútil.

A mediocridade precisa de qualificativos laudativos como paredes desequilibradas precisam de espeques. Mas adjetivar a inteligência é pretender enfeitar rosas com laços de fita.

Bilac cortou relações de amizade com um velho professor, porque este, num discurso, pronunciou esta frase horrenda: – “o distinto poeta Luiz de Camões”.

Você, Lúcia Benedetti, chegou a uma altura que é Lúcia Benedetti e nada mais.

Quando o presidente desta casa me escalou para saudar, nesta solenidade, a escritora do Casaco Encantado, eu andei pacientemente a folhear dicionários. O prêmio conquistado por você foi o de revelação de literatura cênica e eu queria saber, com justeza, o que significava a palavra revelação.

Revelar, dizem os dicionários, é dar a conhecer o que estava ignorado.

Dessa definição eu conclui e concluiria também o nosso velho Conselheiro Acácio que só se revela àquilo que já existe. Você já era o que era, apenas nós não sabíamos quem era você.

Há, para ilustrar o seu caso, um conto de Andersen que parece ter sido feito de encomenda. É aquele delicioso conto que todo o mundo conhece – O Patinho Torto.

Um dia, no ninho de uma pata, apareceu um ovo maior do que os outros ovos que ela chocava. De quem é? De quem não é? De onde veio? De onde não veio? E ninguém explicou o mistério.

Num coração de mãe sempre sobra carinho para os filhos alheios. Nas asas de uma pata há sempre calor a mais para chocar ovos que não são seus. E a pata resolveu chocar o ovo desconhecido.

E quando o choco terminou, o que saiu de dentro do tal ovo grande não foi um patinho igual aos outros patinhos, mas sim um pato feiíssimo, desajeitado, desengonçado, de pescoço muito comprido e muito torto.

Foi uma decepção dos diabos no reino dos patos. A pata já havia chocado o bichinho, resolveu então criá-lo.

E o patinho torto foi crescendo, crescendo. Ninguém reparava que as penas, que lhe iam cobrindo o corpo, eram penas de beleza e de alvura fascinantes. Ninguém reparava aquela curva de pescoço, que a princípio parecia um aleijão, adquiria agora uma graça que pescoço de nenhum outro pato tivera. Ninguém reparava que aquele pescoço que parecera torto nos primeiros dias, pouco a pouco tomava forma harmoniosa e bela.
Ninguém reparava, ninguém reparava. Ele era apenas o Patinho Torto.

Um dia, o Patinho, brincando com outros patinhos, viu uma estrada muito bonita, aberta diante de seus olhos. E meteu-se pela estrada adentro. E foi andando, foi andando. Lá muito adiante descortinou um grande parque, com um lago azul rasgado entre árvores. E o pato torto correu para dentro do lago. Nesse momento uma criança que brincava à beira das águas gritou deslumbrada: – Um cisne! Um cisne! Um cisne!

O patinho torto era cisne. Teria havido algum milagre? As águas do lago teriam tido o dom de transformar em cisne o bichinho feio? Não. Não houve transformação. Houve simplesmente revelação. Um cisne de raça havia ocultamente deixado o ovo misterioso no ninho da pata. Ele, o patinho torto, era cisne desde que nascera e ninguém sabia disso.

Você, Lúcia, escritora de raça, é escritora desde que nasceu.