Maria Teresinha Heimann

 

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Coordenadora do FENATIB – Festival Nacional de Teatro de Blumenau ( de 1993 a 2003)

Formação Profissional

Sou formada nos cursos de Educação Artística e Direito. Fiz mestrado em Educação do Ensino Superior, mas acabei definindo minha linha de trabalho dentro da arte-educação. Por vários anos fui professora na Universidade Regional de Blumenau, atuando nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo e Educação Artística, como professora da disciplina “Estética”. Na Educação Artística trabalhei a estética, voltada à obra de arte como um todo, e na Arquitetura a estética desde a filosófica até a contemporânea, dentro das artes plásticas, painéis, cenografia, enfim tudo que pudesse dar aos alunos um conhecimento mais amplo das diversas áreas de atuação enquanto arquitetura, principalmente da arquitetura teatral.

Paralelamente, também desenvolvo meu trabalho como artista plástica nas áreas da gravura, escultura, cerâmica e pintura. Sempre atuei em todas as áreas relacionadas às artes de uma forma geral. Dentro da Universidade Regional de Blumenau fui diretora da Divisão de Promoções Culturais, onde trabalhei por mais de vinte anos. Isso me possibilitou uma aproximação com as mais diversas formas de arte. Além dessa minha passagem sempre teórica pelo teatro, também tive a oportunidade de realizar alguns trabalhos como cenógrafa e atriz, em espetáculos infantis.

O Festival Universitário

Como Diretora de Cultura da Universidade, fiz a coordenação do Festival Universitário de Teatro de Blumenau, que serviu de fonte para o meu trabalho de mestrado. Minha dissertação foi sobre a estética do Festival Universitário, sobre as apresentações dos grupos premiados durante os nove anos em que estive à frente do Festival. Fiz uma análise estética e plástico-visual dos espetáculos premiados, e abordei o teatro didático proposto por Bertolt Brecht, porque era a questão discutida na maioria dos espetáculos.

O Festival nasceu de uma proposta discutida por um grupo, sobre a possibilidade de se criar na cidade um evento capaz de trazer turistas. Surgiu então a ideia de se trabalhar o teatro universitário. A primeira edição foi coordenada pelo professor José Ronaldo Faleiro e toda a equipe envolvida na discussão, Prefeitura Municipal de Blumenau, RBS TV, Teatro Carlos Gomes e Universidade Regional de Blumenau. Nas demais edições eu estive à frente, até 1995.

O Governo Popular

Em 1995 me afastei da Universidade, em virtude de minha aposentadoria. Logo em seguida fui convidada a ingressar no Governo Popular do Município e desde o primeiro momento nos preocupamos em descentralizar a cultura da cidade.

Iniciamos com um programa chamado Arte nos Bairros, que nos possibilitou encontrar mecanismos para atingir a comunidade e fazê-la interagir com a Fundação Cultural. Estava claro que não podíamos impor uma informação cultural, mas antes, tínhamos que dar condições de conhecimento para que as pessoas pudessem optar por isso ou aquilo.

Assim, passamos a levar espetáculos de música, dança, teatro, exposições de obras de arte e, logo em seguida, passamos a um processo de discussão onde as pessoas, a comunidade, escolhia uma oficina de determinada área. Até hoje esse trabalho vem sendo desenvolvido, com muito sucesso.

O Surgimento do FENATIB

Através do Programa Arte Nos Bairros surgiu o Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau, após muita conversa com os teatreiros e a equipe da Fundação Cultural de Blumenau.

Já na época em que coordenava o Festival Universitário, sentíamos falta de uma plateia que fosse genuinamente da cidade, porque parecia que aquele festival era feito por eles e para eles, os universitários. Na medida em que começamos a levar teatro para os bairros – a mostra paralela Paschoal Carlos Magno, isso ainda no Festival Universitário, pudemos observar o quanto a comunidade se envolvia com o fazer teatral.

Eram espetáculos que não haviam sido selecionados para a mostra oficial, mas que poderiam ter uma oportunidade nessa mostra paralela, com direito até a debates. A mostra virou um sucesso tão grande que acabou se incorporando à estrutura do festival como um todo.

Notamos que com esse trabalho criou-se uma cumplicidade com a população de bairro, que antes tinha certo receio de participar do Festival Universitário, mas que, num segundo momento começou a participar efetivamente, passando a ter um entrosamento muito especial.

Já a ideia de se fazer um Festival de Teatro Infantil buscava não só esse público infantil, mas também formar uma nova plateia para o futuro do Festival Universitário e de educação para a arte.

Os professores têm sido nossos parceiros nessa tarefa, e na medida do possível, eles têm discutido e debatido com seus alunos os trabalhos apresentados.

A cada ano pensamos o evento e sua organização, fizemos várias reuniões e já pensamos na possibilidade de ele estar evoluindo para o próximo ano.

No Programa da Arte Nos Bairros, além do Festival, foram criadas outras atividades como o Dança nos Bairros, o Festival Nacional de Danças Folclóricas, a Banda Municipal, que acabou resultando em pequenas bandas e fanfarras nas escolas. Nestes projetos artísticos da Fundação Cultural de Blumenau, aproximadamente 3000 crianças são contempladas anualmente.

Outro trabalho realizado é na área de literatura, com o envolvimento de 5.000 estudantes de Primeiro e Segundo Graus, além das publicações, editadas pela Editora Cultura em Movimento.

Como se pode ver, procuramos agir em vários segmentos no intuito de descentralizar a cultura e formar plateia.

Todo esse processo foi crescendo demais. Na segunda edição do Festival nós já tivemos que levar algumas peças até as escolas, em função da demanda. E assim passamos a adotar um certo revezamento. Além de a escola levar seus alunos ao teatro, nós também levamos uns espetáculos até essas escolas, numa tentativa de possibilitar aos demais alunos do colégio, também a oportunidade de ver os espetáculos.

Uma característica importante do evento, é que a cada ano o Festival adota um tema. Na primeira edição do FENATIB nós discutimos a literatura e textos literários. Com presença de várias editoras e autores autografando seus livros.

Na segunda edição do FENATIB o tema central foi a dramaturgia. Trouxemos dramaturgos que participaram de mesas redondas e também de palestras individuais, além de oficinas. Isso é um aspecto importante. Durante as três primeiras edições foram realizadas seis oficinas de formação. Trabalhos ligados à direção, à dramaturgia, à literatura e também oficinas voltadas ao professor.

Na terceira edição do FENATIB discutimos a questão da formação do ator trabalhando para a criança, em todas as suas dimensões.

Na quarta edição foi a vez da direção. Tanto de espetáculo quanto de ator. Foi uma experiência muito rica e já sentíamos aí a consolidação dessas propostas, a do Festival como um todo.

Se na primeira edição, por ser ainda uma novidade, o Festival não tinha um amplo envolvimento, já na segunda edição ele passou a ter uma repercussão muito grande na cidade. Hoje existem muitas empresas que querem ter um vínculo com o evento, o que demonstra que o Festival está bem aceito pela comunidade.

O 5º FENATIB

Quando encerramos a quarta edição, no ano passado, em uma discussão com os participantes, sentiu-se a necessidade de estar trazendo para o 5º Festival a questão da formação integral da criança. Daí a ideia de tratarmos da arte-educação. Fomos buscar algumas pessoas. Trouxemos a professora Luiza Candal, que é doutora na área de Educação Infantil; também o professor Silvestre, e o diretor do XPTO, Osvaldo Gabrieli.

O que nós esperamos é que daqui para frente haja uma espécie de desconstrução desses temas, para que se possa analisar individualmente esses elementos que compõem o fazer teatral para a criança. Sempre defendi que um Festival, para dar certo, não pode ser competitivo, porque se for, perde-se a reflexão, a unidade, a integração, o convívio. Há um afastamento dos grupos por questões óbvias: na competição eles passam a ser rivais.

Mesmo no Festival Universitário, embora tivesse na época um interesse das universidades e dos próprios grupos em ser um Festival competitivo, eu já pensava neste sentido. Então, quando criamos o Festival de Teatro Infantil, já o imaginamos como ele é hoje. Entendemos que esta é a melhor forma para se discutir, para se refletir. Liberdade de ação e de interpretação dos fatos que estão expostos ali no palco. Acredito que sem a presença da premiação as pessoas se tornam mais verdadeiras nas suas ações porque elas estão ali e querem tocar e aprender. Ainda assim existem algumas barreiras que já sentimos no Festival. Mas de um modo geral, há uma liberdade maior entre os grupos. Eles se apresentam com o objetivo de estar trocando informações e mostrando o seu trabalho.

Nós não queremos ser mais um Festival. Queremos um encontro onde se possa refletir sobre a qualidade do teatro infantil produzido no Brasil. Teatro para criança, antes de tudo, é teatro. E nós estamos indo por um processo interessante, porque estamos discutindo constantemente o material enviado pelos grupos, as concepções dos trabalhos, e assistindo os espetáculos, sempre que possível.

Um Festival com Representantes de Muitas Partes do Brasil

Aqui em Blumenau nós sempre pensamos em eventos de nível nacional. É mais gratificante ter uma leitura ampla. As possibilidades de discussões são maiores. Se fizéssemos esse Festival num nível estadual, teríamos um pequeno panorama e não seria tão enriquecedor quanto é um nacional, onde as diferenças são maiores. É muito bom conversar com o país, teatralmente.

Ver o que e Nordeste está fazendo, o Norte, o Sudeste e por aí afora. Acredito que essa é a melhor troca. Cada grupo reflete sua realidade e sua região e de um modo em geral todos ganham. Isso amplia o universo de conhecimento. Não pensamos num festival internacional, pensamos num festival no nosso país, com a nossa diversidade. Há uma diferença tão grande de uma região para outra que vale a pena ser discutida.

Voltando um pouco a questão da competitividade, nós entendemos que os grupos classificados, de antemão já são os premiados. Porque são muitos os inscritos e uma vez selecionados representam o que há de melhor naquele universo.

Experiência para Coordenar um Evento deste Porte

Por ter uma grande vivência em coordenação de eventos do gênero, a primeira preocupação é ter uma grande equipe, e isso nós temos. Em segundo lugar, convidar profissionais engajados na proposta, experiência que me levou a crer que um corpo de debatedores deve ser harmonioso, antes de mais nada. Do contrário, todos acabam perdendo. Perdem os grupos, as pessoas que estão presentes no debate, perdemos nós os organizadores e perde a própria cidade. Um festival desse porte tem um custo muito alto e por isso temos que acertar na diversidade.

Convidamos normalmente as pessoas que vão se envolvendo com o Festival gradativamente. Pessoas que já participaram em outras edições, como palestrantes ou ainda como oficinantes. Dessa participação lateral é que surgem outras, como a de debatedor ou coordenador de mesa.

A comissão de seleção e a comissão debatedora têm oscilado muito pouco. A comissão selecionadora deve ter um acompanhamento da evolução dos grupos que vem se inscrevendo no Festival. Assim, a primeira comissão é praticamente a que até hoje permanece. Na primeira edição convidamos pessoas cujo trabalho já conhecíamos, que tinham autoridade e competência para tal. Já na segunda, resolvemos convidar a mesma equipe, porque já tinha trabalhado juntas e conheciam meios e métodos, até por uma questão de segurança para o próprio Festival. Como as duas primeiras edições foram um sucesso nesse âmbito, decidimos tornar essa comissão definitiva.

A comissão de debatedores já sofreu modificações nas três primeiras edições. Do ano passado para esse ano ela teve apenas uma mudança, mas mesmo assim, foi o retorno de um debatedor que já havia participado da terceira edição. A base é praticamente de duas pessoas, os demais se revezam. Isso nos deixa em condições de melhor avaliar a evolução do próprio Festival, seus erros e acertos.

Essas duas comissões são essenciais para manter o alto nível do Festival de Teatro Infantil. Se estão em sincronia, todo o Festival está bem articulado. Inclusive os grupos passaram a considerar esse método a cara do Festival de Blumenau.

No primeiro Festival nós já tínhamos uma expectativa de grupo e de público, coisa semelhante no segundo. Mas a evolução vem sendo gradativa e o crescimento de convidados e de grupos acaba caminhando na mesma direção.

O Orçamento e o “Amigo da Cultura”

A questão orçamentária é variável, depende muito dos grupos selecionados. Não temos a preocupação de estar selecionando 15 espetáculos por ano ou algo em torno disso. Nossa preocupação é com a qualidade. Se por acaso em alguma edição só 5 grupos forem selecionados, esses farão o Festival. Não importa o número de grupos e sim a qualidade dos trabalhos. Nossa expectativa é de estar trazendo os melhores espetáculos.

O orçamento traça um paralelo em cima disso. A cada ano a média de selecionados é de 12 ou 15 trabalhos. Em cima desses dados é que nós elaboramos a planilha. De acordo com a quantidade de elenco, diretores, técnicos, debatedores, palestrantes, etc. Fazemos um cronograma onde incluímos gastos de alimentação, hospedagem e cachê, transporte e divulgação, já que o evento é gratuito para as crianças.

Hoje o nosso Festival tem uma média de custo em torno de R$ 120 a 150 mil. Claro que nem sempre dispomos desses recursos e nesse caso, vamos buscar apoio no Minc, Lei de Incentivo à Cultura. Tentamos buscar recursos materiais. Negociamos mídia, gráfica e outros. Fazemos contrapartidas com outros eventos que mantemos, como por exemplo: música, dança, etc. É um verdadeiro escambo, muitas vezes.

Criamos neste ano, na Fundação Cultural de Blumenau, o chamado “Amigo da Cultura”. É um projeto que tem possibilitado uma série de atividades, até porque este ano está sendo muito difícil para a Fundação, que inclusive teve redução orçamentária, em função da Lei de Responsabilidade Fiscal.

São contatos telefônicos que estabelecemos com empresas e comércio, oferecendo em troca mídia em nosso Jornal Cultura em Movimento, apresentações, entre outras coisas. Eles passam a ser parceiros. Nosso coquetel de abertura foi uma prova disso.

O coquetel de encerramento do Fenatib foi da mesma forma. Veja bem: 70% do coquetel foi trocado por participação no Projeto “Pão e Poesia”, onde nós fornecemos gráfica para impressão de poesias de poetas locais em pacotes para embalar nas padarias. Na verdade a Fundação Cultural trabalha e recebe em mercadorias.

Para este Festival, dispomos de R$ 110 mil em recursos próprios e Lei de Incentivo à Cultura Estadual e Federal a outra parte vem do “Amigo da Cultura”. É lógico que nem tudo se consegue dessa forma, e nesse caso a Fundação tem que arcar.

Outro ponto importante, para fazer acontecer, é o apoio da própria cidade. As emissoras de televisão locais: RBS, Barriga Verde, TV Galega, TV FURB, TV Legislativa, SCC, tem dado mídia direto, de manhã, à tarde e a noite. A imprensa da cidade também realiza um trabalho belíssimo, acompanhando bem mais o que acontece fora do teatro do que dentro. Isso é importantíssimo.

O Futuro do FENATIB

Gostaria de realizar uma mostra de bonecos paralelamente ao Festival, onde se discuta as produções e as técnicas. Espero que isso aconteça num futuro bem próximo.

Outra ideia é de aumentar as discussões em torno da arte educação. Talvez trazendo os próprios professores para participarem mais do nosso Festival de Teatro Infantil. Nós temos notado a presença de muitos alunos de Pedagogia, de Letras, e acreditamos ser necessário abrir um canal maior para analisarmos essas questões, com palestras noturnas, possibilitando aos professores que lecionam em horário diurno, bem como os de graduação, tomarem parte dessas discussões, juntamente com seus alunos.

É uma questão de formar também um público adulto para o teatro infantil. No primeiro ano nós vimos alguns professores arrastando suas crianças para o teatro. No segundo ano percebemos os professores já com mais segurança conduzindo as crianças para a sala de espetáculo. E a noite são crianças que arrastavam os pais para o teatro.

Hoje nós temos uma plateia noturna, formada 20% por crianças e 80% de adultos. Isso tem sido gratificante, sobretudo se considerarmos que todos nós temos nosso lado criança. É uma hora em que a criança, o pai, a mãe, a tia, enfim, têm condições de vivenciar um processo e resgatar a infância, naquele momento. Queremos possibilitar cada vez mais essa oportunidade de participação.

Se conseguirmos trazer cada vez mais os adultos ao teatro infantil e oferecer palestras noturnas para alunos de Pedagogia, para que possam compreender os processos de montagem – e dessa forma trabalhar isso em classe, creio que será maravilhoso e teremos alcançado nosso objetivo.

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Depoimento dado à Antonio Carlos Bernardes,  na cidade de Blumenau, em 16 de agosto de 2001.