Crítica publicada no Site do CEPETIN
Por Maria Helena Kühner – Rio de Janeiro – 07.01.2010

Barra

A ACB Teatral comprova, mais uma vez, que entrou como o pé direito na área de produção teatral para crianças e adolescentes: em vez de ser mais uma a encenar surradas adaptações de contos tradicionais, ou textos descosidos e improvisados, ousou inovar, em duplo sentido: na busca de temas contemporâneos cuja validade e importância é indiscutível, não só pra a criança como para o adulto que a leva ao teatro; e em uma escrita cênica inventiva e original, unindo atores e desenhos animados em feliz complementaridade.

No primeiro espetáculo, Mamãe, como eu nasci?, em merecida sétima temporada no RJ, os objetivos pedagógicos do texto não caem em momento algum na cilada do ultrapassado ( e ainda recorrente!…) recurso a “mensagens” ou “lições” inseridas verbalmente nas falas. Pelo contrário, os ágeis diálogos de Fátima Valença retratam com humor e leve ironia crítica a evasiva perplexidade dos adultos diante de uma sadia curiosidade infantil e de um tema que, apesar das profundas mudanças nos comportamentos e atitudes, ainda é incômodo para muitos. E as projeções na tela em fundo, de Rico e Renato Vilarouca, antecipam uma capacidade criativa que estamos vendo crescer dia a dia nos palcos cariocas: aqui, mais que simplesmente ambientar cenas, elas se mostram tão inventivas e divertidas que o bebê na barriga da mãe, falando e até cantando ao microfone, se torna, sem favor, o personagem principal de ação – inclusive porque o elenco não demonstra igual criatividade, sobretudo no excesso de caras e bocas do “menino que vê chegar uma “irmãzinha” com as habituais reações infantis de insegurança e ciúme…

No segundo espetáculo o acerto maior é, a meu ver, na escolha do texto: igualdade e/ou diferença é um dos temas fundamentais no mundo globalizado em que vivemos, em que etnias, classes sociais, gerações visões de mundo, valores, comportamentos e atitudes foram postos em confronto, conflito ou intercâmbio. Mas, além, disso, o tratamento dado ao tema por Ivanir Calado, e retomado pela direção no desenvolvimento da ação dramática, mexe com as estruturas mesmas de pensamento lógico em que fomos formados (ou deformados), com seus pares polares, opostos e excludentes (ou isto, ou aquilo, ou Trabalho ou Preguiça, ou Tristeza e Alegria, etc.) que anulam e dificultam, um novo pensar, em que as diferenças sejam não só aceitas, mas ocasião de uma outra visão, integradora, capaz de somar (isto e aquilo), levando a uma troca enriquecedora.

A dificuldade na apreensão do tema tão vasto não impede que sua ideia central e essa nova “atitude” chegam ao espectador infantil ou adulto. Não conhecendo o texto original me ficou uma leve impressão de que o desenvolvimento das cenas nos planetas talvez tenham sido um tanto esquemáticas, ou com ideias repetidas na ação dramática e nas músicas.

Mas, no conjunto, mesmo que algumas ressalvas possam surgir de uma observação mais exigente, elas não impedem que ambos os trabalhos se mostrem acima da mediado que temos visto nas produções para crianças. Pena que as escolas estejam entrando de férias, pois são encenações que mereceriam uma mobilização de grupos inteiros para verem algo que merece, de fato, o nome de teatro.