A Inocência do que eu Não Sei. Fotos: Geovanna Gelan

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 11.09.2015

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A dor e a delícia de ser jovem em Heliópolis

Grupo de teatro da comunidade encena, no Ipiranga, um dos mais criativos espetáculos sobre as armadilhas da educação formal

Tive a imensa honra de conhecer a Companhia de Teatro de Heliópolis, que existe desde o ano 2000, e acho que todos devem prestigiá-la, com o espetáculo incrível chamado A Inocência do Que Eu (Não) Sei. O nome já é muito bom, poético, estimulante, instigante. É tão bom descobrir que há artistas resistentes e competentes fora do circuito tradicional de teatro paulistano, tentando com muita garra vencer em suas comunidades com base na arte.

A direção de Miguel Rocha é uma coisa muito séria. Nada é entregue ao público com facilidade. Tudo leva em conta a imaginação, o jogo teatral, as diferentes linguagens cênicas, a força expressiva de objetos e adereços, o rigor interpretativo. O épico e o performático. O poético e a crueza da realidade. A fábula e a música.

Um exemplo dessa boa direção me impressionou muito. Feito de solilóquios alternados, o espetáculo – além de ser perfeito em sua ideia de conjunto – também consegue dar chances individuais a cada membro do elenco. O que me impressionou nisso é que, mesmo quando não estão no controle da cena, os atores não ‘saem’ do espetáculo, não ficam no palco pensando na ‘morte da bezerra’, displicentes, desrespeitosos. Não. Há um cuidado e um grau de concentração que poucas vezes se vê em elencos mais profissionais e tarimbados.

A utilização da música, com direção musical assinada por William Paiva, também é magnífica. Temos a sofisticação incrível de ver um piano e um violoncelo executados ao vivo, além de ouvir canções com letras que dão o seu recado certeiro dentro da peça, defendidas com afinação e eloquência pelo ótimo elenco. Aliás, o dramaturgo convidado, o premiado Evill Rebouças – que atuou em conjunto com a Cia. de Teatro Heliópolis desde a escrita do projeto – também acertou muito ao estruturar o texto como se fosse uma obra musical com seus vários movimentos. Para tanto, contribuem também as impressionantes partituras corporais criadas pela diretora de movimento Lucia Kakazu.

Agora, os créditos ao elenco. São eles: Dalma Régia, David Guimarães, Donizete Bomfim e Klaviany Costa. E os músicos: William Paiva e Caio Madeira (piano), Marcos Mota e Fabio Machado (violoncelo) e Giovani Liberato (guitarra e sonoplastia). Todos juntos, em dinâmica de processo colaborativo, participaram de pesquisas, durantes muitos meses, nas escolas públicas da região de Heliópolis, onde foram buscar subsídios para o tema da educação formal, da vida dentro das escolas, das dinâmicas nas salas de aula. Viabilizado pela Lei de Fomento municipal, o espetáculo resultante não se preocupou, felizmente, em compor um retrato realista-naturalista de uma escola em funcionamento. Ao contrário, tudo é alegórico, metafórico, arte pura. A peça fala de jovens, do universo escolar, mas sem, para isso, precisar facilitar em simplificações cênicas e dramatúrgicas. É, antes de mais nada, teatro da melhor qualidade, que merece ser visto por todos. Vida longa para a excelente Cia. de Teatro de Heliópolis.

Serviço

Casa de Teatro Maria José de Carvalho
Rua Silva Bueno 1533, Ipiranga
Tel: (11) 2060-0318
Classificação: 14 anos
Ingressos
Grátis (retirar 1h antes das sessões)
Horários: sábados (às 20 horas) e domingos (às 19 horas)
Até 4 de outubro. (Apresentações para escolas públicas: quintas e sextas-feiras – informações pelo telefone acima ou ctheliopolis@ig.com.br)