Escrita há 36 anos, a peça A Gata Borralheira, de Maria Clara Machado, faz sucesso no Tablado

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 04.10.1998

 

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Um presente para o palco e a plateia 

A Gata Borralheira, peça escrita por Maria Clara Machado, em 1962, atualmente em temporada no Tablado, é o reverso do conto de fadas. Do original, mais conhecido Irmãos Grimm – sobrou muito pouco. E, ao contrário de outras fábulas que ganhavam versões modernosas, a de Maria Clara investe nos moldes das comédias de costumes, onde a eterna luta do bem contra o mal está absolutamente incorporada ao cotidiano. Assim como na vida, ninguém é péssimo ou ótimo. Meio a meio.

No intricado quiproquó da família Borralheira, Dona Firmina, mãe de Rosa e Margaridinha, e a madrasta de Dulcinéia. O príncipe da história está dando um baile para arranjar casamento com uma rica herdeira. A fada é uma vizinha muito prestativa, dona Fada Santos. As irmãs têm também seus pretendentes: João Jaca e Simão Leitão. No baile, outras herdeiras apresentam seus dotes ao príncipe: entre elas, a senhorita Sabina Tudor, dona da maior biblioteca da cidade, 74 livros. Para ir ao baile e não fazer feio, todos se valem do livro Cultura em 23 lições, e nela aprendem: “A ência da essência está na imanência da poesia espacial”. Infalível.

Com diálogos muito provocativos, o texto já foi analisado a exaustão. Mas o que de melhor fica são as brincadeiras criadas, a partir dele, pelos alunos do Tablado. Numa de suas marcas para a madrasta a autora grifa: “… faz um gesto de desdém altivo…” Na estreia dessa temporada, a triz Jaqueline Laurence, a primeira dona Firmina da montagem de 62, inquirida pelo mestre de cerimônias se sabia o significado do gesto, declarou: “Eu sou uma especialista em desdém altivo”.

O que está no palco segue a mesma linha criativa das histórias contadas pelo Tablado. Cacá Mourthé na direção criou um espetáculo novo e diferente sem sair do texto. A marca da diretora está nas brincadeiras cênicas que sempre cria com a história. O tal molejo cênico que ela inventou e vem cultivando em grande estilo.

No elenco de 22 atores, um desafio para qualquer diretor, estão, entre outros, Cadu Fávero, o narrador discomusic que se transforma no dançante pedicure americano, Juliana Coutinho, a Dulcinéia, e Mila Chaseliov, a Sabina Tudor na melhor linha do desdém altivo. Maria Clara Gueiros como D. Firmina é um show à parte. A atriz e o seu natural mau humor arrancam gargalhadas do público, que tem plena certeza de que ela abandona o texto e vai por conta própria. Não é verdade. Os diálogos foram rigorosamente mantidos, a graça é toda da atriz que sabe aproveitar um bom texto.

O espetáculo todo afinado tem o bom gosto de Biza Viana e o seu forte colorido nos figurinos. Luz de pinos na iluminação autoral de Djalma e cenários funcionais de Zaven Pare. Fechando a técnica, Ana Soares é responsável pela interessantíssima coreografia do espetáculo. Na dançante trilha de Leoni, Ana cria espaço para não bailarinos como poucas vezes se tem visto.

A Gata Borralheira é um delicioso espetáculo em que não falta nada. Mais um presente de Maria Clara machado para o palco e plateia.

Cotação: 4 estrelas (Excelente)