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Sentimos na carne que o FENATIB, com todas as letras, é hoje definitivamente um centro de referências para o Teatro Infantil e Juvenil. Não conhecíamos de perto essa sensação e nada como participar desse evento crucial para se deparar com essa grande festa anual de teatro, composta de grupos do Brasil e (por incrível que pareça) críticos, teóricos e, o que é melhor, todos dotados de capacitada leitura teatral, alguns com grande sensibilidade, observando, divagando e sugerindo possibilidades artísticas a tantos espetáculos. Ressaltamos a importância dessa linhagem, por serem cada vez mais raros hoje – dizem, mas não acreditamos -, principalmente devido à crise do papel, do jornal e outras bobagens. Pronto, a seda está rasgada e agora vamos a algumas observações.

Uma delas seria a coincidência de, nessa sétima versão do Fenatib, termos a oportunidade de presenciar diversos espetáculos de teatro de bonecos, com técnicas distintas e muito boa manipulação. E por quê? Escassez de bons espetáculos infantis com atores? Não, óbvio que não. Vemos isso como aqueles eternos e pequenos retornos que são essenciais e, por que não arriscar, míticos (via nosso grande mitólogo Mircea Elíade). Vendo por esse foco, parece que o teatro de bonecos pode significar também um novo início, um novo sair do zero absoluto, do caos, ou do lúdico imediato (como muitos definem o teatro de bonecos), em busca de novas sensações, novos ciclos, ou atmosferas fantásticas, poéticas, alcançando momentos especiais tão almejados por todos aqueles que querem fazer teatro de seres vivos.

E aqui também tocamos em nossos desejos, pois também procuramos no teatro esses tesouros perdidos. Somos pessoas inquietas, de pesquisa, gente que procura desafios, dificuldades, diante do certo e do cifrão, tão prósperos e perigosos para quem faz teatro. Criamos nossa Cia. Articularte há exatos cinco anos, com alguns sonhos e ideias. Hoje vemos o tempo passar e sorrimos do passado, brindando ao presente e sempre com o pé atrás, quando se trata de olhar para o futuro. Será mesmo? Talvez, não e decididamente, não.

Melhor seria enfrentar o futuro teatral com medo sim, mas com toda a dignidade, com confiança e desconfiança, com doçura e dureza, pois às vezes ele é muito duro com todos nós. Mas tudo podem ser somente provas, artimanhas e pequenas ciladas dionisíacas, somente para que essa entidade grega continue separando o joio – do trigo; a sombra – da luz; o brilho – do apático; o teatro do não teatro, ou simplesmente distinguindo aqueles que descem, daqueles que seguem no palco.

Nesses poucos anos de nossa vida teatral infantil já vimos e presenciamos muitos ditos “profissionais de gogó”, dotados de grande técnica e sensibilidade, implodirem rapidamente nesse campo minado. Mas hoje sabemos que alguma coisa não estava bem focada ou posicionada diante de cada um deles. Isso porque sempre existia ego no meio e à frente do teatro, tornando esse fenômeno menos nobre, tudo às custas de focos ou manias um tanto egocêntricas, mas que para o teatro podem ser extremamente fatais. Por isso lançamos um apelo geral para que os próximos tempos dramáticos sejam mais inquietos e teatrais, sem frescuras e com mais trabalho, dedicação, humildade, inteligência, suor – e sem mentiras. Já diria João Guimarães Rosa, um dos nossos gigantes: “…talento? Trabalho, trabalho, trabalho…” – então, mãos à obra:

– Trabalhar com mais afinco e dedicação por essa arte tão delicada, perigosa e fundamental. Precisamos virar novas páginas, longe daqueles antigos diretores ditadores, egocêntricos, ou distante daqueles críticos rançosos de tempos atrás, que muitas vezes se elegiam além dos próprios espetáculos criticados. Vamos pensar diferente, imaginar diferente, vamos doer mais, chorar menos, queimar epidermes, para quem sabe sorrir depois, em lugares mais insólitos, pois uma coisa é certa: existem âncoras que sempre reciclam até o irreciclável. O Fenatib, por exemplo, é um desses lemes, que apontam suas velas nas direções mais malucas dos ventos, singrando ou provocando emoções – até que se prove o contrário.

E isso tudo fazendo sete anos de vida (uma criança ainda), contando com a bravura de alguns lunáticos maravilhosos que sempre conseguem colocar gigantes no ar – mesmo com recursos invisíveis. Pessoas que não medem esforços para que os fins sejam os meios, ou para que o início seja o próprio fim – desde que aconteça o fenômeno, desde que a vida passe pelo palco, nem que seja pelo intervalo de uma fagulha. Mas que seja fogo, pulsação, poesia… Parabéns a todos!

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Dario Uzam
Diretor e Coordenador da Cia. Articularte Teatro de Bonecos, São Paulo.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 7º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2003)