Crítica publicada no Diário da Noite, Coluna Teatro
Por Brício de Abreu – Rio de Janeiro – 22.09.1950

Barra de Divisão - 45 cm

Duas Peças Infantis – I

Um dos gêneros mais difíceis do teatro para um autor é certamente o chamado teatro Infantil. É preciso notar que não quero me referir ao Teatro que é feito profissionalmente, para atores e artista consumados interpreta-lo para as crianças.

Há uma “nuance”, uma diferença que entre nós, não tem sido notada nesse sentido. O teatro que é feito para ser interpretado por crianças se reveste da característica de escola como quer Leon Chancerel, incontestavelmente o mestre e o maior animador desse gênero, não somente na França, mas mundo. Diz ele, ainda, aos famosos… “cahiers” (cuja coleção já no seu 456º numero, possuímos) que “o teatro para ser interpretado por crianças, deve antes de mais nada, merecer a atenção dos seus dirigentes no sentido de “educar para o teatro os seus elementos; deve ter ainda a preocupação de formar o espírito das crianças em suas vocações para que sejam, (aqueIas cujas qualidades assim o determinem) encaminhadas às escolas e cursos teatrais formando através do ensinamento e de seus temperamentos, os futuros atores”

A melhor prova disto tivemo-la aqui mesmo no Rio, através da bela manifestação que durante anos promoveu a Associação dos Críticos, com o seu famoso teatro infantil, que ficará na história do nosso teatro, pois (como quer Chancerel) foi um celeiro de atores e atrizes, que hoje labutam em nossas casas.

Esse mesmo intuito teve a Sra. Ivete Ribeiro, que antes da ABCT montara espetáculos infantis. Pode-se dizer que esse é um teatro experimental, de laboratório, de formação e seleção de vocações, ainda que sirva também para divertir o publico que o assiste. Mas, o divertimento da plateia, entra nele em um segundo plano, ao passo que o Teatro Infantil, organizado por profissionais, autores e artistas, o publico, a plateia, o divertimento entra em um primeiro e exclusivo plano.

E nesse gênero incontestavelmente a Sra. Lucia Benedetti é a pioneira, entre nós, e a melhor autora que possuímos. Escritora, o que equivale dizer, senhora do dom de observação e psicologia necessárias ao”metier”; professora, o que também equivale dizer conhecedora da psicologia infantil e suas difíceis reações, conseguiu unindo essas qualidades raras ao seu incontestável talento, realizar aquilo que, entre nós nunca foi realizado, e, o que ainda é melhor, no qual falharam celebridades como Max Jacob, cuja peça “Le Loup Garrou“, mesmo com o próprio Gemier como interprete, no Téâtre de Paris em 1911, foi um desastre, assim como Paul Geraldy e Jean Desmurs com a sua “La Fee Carraboce“, com Suzanne Desirée, no Théâtre de L’Ouvre, não conseguiu mais de três representações, em três friorentos domingos do inverno de 1919. É o próprio Chancerel quem nos conta isso, acrescentando que os autores nem quiseram mais ouvir falar nesses originais, que renegaram como Anatole France renegou a sua obra de jeunesse (Nos Enfants, etc.).

Apresentando O Casaco Encantado com a Sra. Morineau, no Ginástico, a Sra. Lucia Benedetti obteve tal êxito que, imediatamente, e como sempre nasceu entre nós a febre do teatro infantil, com uma enxurrada de peças que nem sempre correspondiam a boa vontade de um homem, como eu, disposto sempre a ajudar e incentivar todas as iniciativas de teatro que tragam algum proveito.

Enquanto isso a Sra. Lúcia Benedetti, despreocupada com o terrível mal do meio do teatro entre nós, as futriquinhas, as invejas, os complexos as maldades preconcebidas, o espírito de porquismo e, sobretudo, a mania do gênio a força das maiores vilezas não admite concorrência, trabalhava calmamente no seu canto traduzindo peças, escrevendo outra, preocupadas exclusivamente em trabalhar e realizar algo de útil.

E assim chegamos até a montagem de duas peças infantis suas: A Menina das Nuvens pelo Teatro Ra-ta-Plan de Pernambuco de Oliveira e Manoel de Castro, no Fênix, sexta-feira última, e Branca de Neve, pelo Teatro Monteiro Lobato, apresentado por Dary Reis, no Teatro Copacabana no domingo último pela manhã. Duas joias da literatura infantil que passaremos a comentar.