Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 07.05.2000

 

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Uso criativo da farsa de Shakespeare

A Comédia dos Erros, uma das primeiras peças de Shakespeare, escrita provavelmente entre 1592 e 1594, tem inspiração nas comédias de Pauto. Com um enredo muito construído, está em cena o jogo do igual, “onde o bem e o mal se opõem num conflito que deve levar a medida justa”. Com um final feliz garantido, este clássico, mesmo em versão pocket, parece o veículo ideal para a recém-formada Cia. Muito Franca de Teatro dar continuidade à sua carreira, tão bem iniciada com o espetáculo Os Bruxos também Amam.

Voltando ao minúsculo palco do Museu da República, agora com A Comédia dos Erros, a Cia. Muito Franca faz jus ao nome na franqueza e substituiu atores do elenco, como manda os estatutos de uma companhia que mantém o núcleo central de diretores: Bruno Bacelar e Nadeje Jardim, que se revezarão nas montagens dos próximos espetáculos do ciclo Shakespeare / Molière para Crianças.

Com um enredo enxuto, mas de cenas de difícil realização para o público infantil, Nadeje Jardim optou pela redução dos personagens, deixando em cena só o conflito principal. Assim, conta-se no palco a história dos gêmeos Antífolos (Eliano Lettiere e Marcos Alves) criados cada um junto a um de seus escravos, os gêmeos Drômios (André Carvalho e Angelo Mayerhofer), depois se perdem numa tempestade. Já na idade adulta e sem saberem da existência de seus semelhantes, os pares se encontram em múltiplas situações confusas como em O Pastelão e a Torta ou mesmo Noite de Reis, do próprio Shakespeare.

Num mix dentro do outro, Nadeje Jardim cria bonitas referências ao teatro de efeito , onde a tempestade é feita com folhas de Zinco e os trovões no pisca pisca das luzes. As referências se ampliam com um pouco do Teatrinho Trol, algo dos Trapalhões e muito exercício da sala de aula. É o teatro de ator suando o figurino, aliás, muito criativo de Ricardo Rocha, que também assina os cenários reversíveis em vários ambientes, que dão conta da história cena por cena.

Destoando da montagem, apenas a trilha musical de cantigas de roda, que alongam desnecessariamente as cenas de passagem. De resto, bons truques, como os da maquiagem para os atores gêmeos que ficam mesmo bem semelhantes e o artifício de acoplar à atriz Flávia Lopes uma boneca manipulável, ficando a atriz responsável pelos papéis de Adriana e Luciana sem confusão no enredo.

A Comédia dos Erros é o início do ciclo Shakespeare / Molière para Crianças, que deve ocupar o teatro do Museu da República até o final do ano. Pela frequência com que vem lotando o teatro no pouco comum horário das 11h30 da manhã, a ideia parece das melhores. Bem-vindos sejam os clássicos dos adultos ao palco da jovem plateia.