Matéria publicada em O Estado de São Paulo – Caderno 2
Por Beth Néspoli – São Paulo – 16.09.1997 

Centro luta pelo reconhecimento das peças infantis

O CBTIJ, com sede no Rio busca também o fortalecimento das artes cênicas voltadas à infância e à juventude, procurando conscientizar órgãos públicos, a sociedade e a imprensa em geral. Rio – Cansado de ser visto como arte menor, o teatro infantil resolveu organizar-se e ir a luta contra à discriminação. No Rio, diretores e atores que trabalham com teatro para crianças e adolescentes se uniram e fundaram o Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude, CBTIJ. A entidade tem entre seus objetivos promover ações com os poderes públicos, da sociedade e da imprensa pela busca do reconhecimento da importância social e artística do teatro infantil. “As dificuldades que o teatro para a infância enfrenta são o reflexo de um problema muito mais amplo e profundo – o descaso com a infância no Brasil”, afirma a diretora teatral Alice Koenow (Mitos, Mundos e Lendas), atual presidente do CBTIJ.

Alice lembra que, de acordo com o Estatuto da Criança, o CBTIJ poderia exigir a “prioridade” para a criança dentro dos espaços públicos. “Não exigimos tanto, queremos apenas a igualdade. “As dificuldades para conseguir-se essa “igualdade” começam dentro da própria classe artística. “Até mesmo diretores e atores do teatro adulto ainda nos discriminam”, afirma Silvia Aderne, atriz do premiado grupo Hombu e secretária do CBTIJ.

Na maioria dos teatros, as montagens infantis são obrigadas a usar os refletores, os camarins e os espaços cênicos que “sobram” das montagens adultas. Cenários devem acomodar-se de forma a não “atrapalhar” a montagem “adulta” em temporada e, até para colocar o cartaz da peça na fachada, os profissionais do teatro infantil precisam negociar espaço com a montagem “principal”.

Os críticos teatrais também cometem seus deslizes. A expressão “parece teatro infantil” é muitas vezes utilizada por eles para “depreciar”uma montagem adulta malsucedida. “Fico indignada quando leio tal coisa”, declara Maria Clara Machado. Fundadora do Tablado, diretora e autora de 25 textos teatrais e reconhecida nacionalmente pela qualidade do trabalho que vem desenvolvendo há 45 anos em seu teatro, Maria Clara Machado detecta discriminação pelo fato de sua criação artística estar associada ao público infantil. “Nunca vi meu nome mencionado em nenhuma relação de diretores teatrais brasileiros, o que me deixa muito magoada.”

Patrocínio tem 60% menos de dinheiro

Patrocínio – A queixa atinge ainda a questão do patrocínio, sempre de valor menor quando se trata de peça infantil. Para ter-se uma noção do quadro, Alice afirma que entre duas montagens de mesma qualidade artística, uma adulta e outra infantil, a segunda receberá no máximo, 40% do valor da primeira. Nesses casos, o argumento utilizado pelos patrocinadores é o número de apresentações, em geral duas por semana, sábados e domingos. “No entanto, a produção, o período de ensaio e a sobrevivência dos profissionais envolve os mesmos custos do teatro adulto”, argumenta João Batista, diretor da Cia. dramática de comédia e responsável pela edição do jornal do CBTIJ.

Outro sintoma de discriminação apontado foi o fato de não ter sido incluído nenhum diretor de teatro na comissão nomeada pelo Ministério da cultura para elaborar a Lei das Artes Cênicas. “O CBTIJ enviou um documento solicitando a inclusão de um artigo prevendo que metade da verba fosse destinada para trabalhos voltados para a infância e juventude, seja no teatro, ópera, circo ou dança”, esclarece João Batista.

Até mesmo a valorização do teatro infantil costuma vir por linhas tortas, já que, quando se fala em teatro para crianças, o primeiro objetivo apontado é a formação de plateia para o teatro adulto. “Para nós o principal objetivo é a formação do imaginário, da subjetividade da criança; queremos influir na maneira como ela vai olhar a vida e criar”, argumenta Beatriz Gemal, atriz e membro do conselho da entidade. “Não é nossa intenção colocar uma forma de teatro contra a outra, mais sim discutir o sentido e a importância do teatro voltado para a criança”, ressalta Alice.

Ajuda externa – Uma das iniciativas do CBTIJ nessa direção foi a criação de um folder contendo informações sobre a entidade e seus objetivos, um pequeno histórico do teatro para a criança e para o adolescente no País, além de fotos coloridas de espetáculos de grupos de vários Estados brasileiros. Editado em quatro línguas, o folheto já foi distribuído para setenta países com a ajuda da Associação Internacional para a Infância e Juventude (Assitej), entidade à qual o CBTIJ é filiado que, por sua vez, é filiada à UNESCO.

Internamente, além de distribuir o folder para grupos amadores ou profissionais de todo o Brasil, professores e diretores de escolas, o CBTIJ envia-o como uma espécie de “início de conversa” cada vez que detecta algum tipo de discriminação contra o teatro infantil. “Não queremos briga, nosso objetivo e conscientizar as pessoas, já que na maioria dos casos o que falta é informação” esclarece João Batista. A entidade prepara agora seu primeiro jornal, cujo tema será uma pergunta: É importante que se faça teatro para a infância e juventude? “Serão vários artigos em torno desse tema, pois acho que só a partir de uma conscientização da importância desta arte poderemos nos fortalecer”, comenta João Batista.

Com uma tiragem inicial de 10 mil exemplares o jornal será distribuído para grupos de teatro em todo o Brasil e também para diretores de escolas. “Poderíamos estar fazendo apresentações diárias nas escolas”, acredita Beatriz Gemal. Embora muitos colégios já tenham descoberto a importância de aliar a educação e cultura, ainda há desinformação, principalmente no momento das escolhas. “Ainda há professores que negociam baseando-se no preço, ignorando a qualidade.”

Um dos sonhos do CBTIJ seria organizar uma mostra anual de teatro infantil para professores e diretores, incluindo debates. A intenção não é impor uma linha de espetáculo, mas evitar que o professor compre uma peça no escuro. “Caso a escola escolha um palhaço e um mágico cantando a música da Xuxa, ela terá optado por aquilo”, comenta Beatriz. Mas para organizar uma mostra desse porte, já tentada sem sucesso, seria preciso um forte apoio financeiro.

Folder da entidade é distribuído em 70 países

Campanha – Em busca desse apoio, o CBTIJ prepara, com o apoio da Funarte, uma campanha nacional pelo teatro para a infância e juventude, com um mote ambicioso: 30 milhões de crianças no teatro. O cartaz da campanha mostrará concretamente qual é o montante da verba necessária para a realização da façanha: um valor igual à construção de três prédios de luxo ou 2% do Proer ou ainda 1,6% do rombo do Banespa, entre outros cálculos.

“A ideia de subsídio para arte vem sempre relacionada ao paternalismo ou então diz-se que estamos competindo com os hospitais e escolas”, lembra Alice. No entanto, o mesmo argumento não é usado quando o governo estimula a instalação de uma indústria no Nordeste, alegando que ela produz empregos. “A questão da cultura é muito mais profunda, está em jogo a formação da cidadania, da Nação.

Embora atue em nível nacional, o CBTIJ não é a única uma entidade organizada em torno do teatro infantil. “Movimentos fortes existem em Campinas, São Paulo e em outras cidades”, informa Alice. Mesmo no Rio, a organização vem de longa data. Em 1987, uma reunião no Tablado de Maria clara Machado deu origem ao Movimento de Teatro Infantil, Motin, atuante até 1991, quando foi dissolvido durante o caos do governo Collor.

Em 1995, a Coca-Cola patrocinou um seminário de teatro infantil. “Cada tema abordado no seminário levava sempre à mesma conclusão: precisamos organizar-nos”, lembra João batista. A partir daí, foi criado o CBTIJ, que teve sua primeira diretoria eleita em fevereiro de 1996, para um mandato de dois anos. A Funarte cedeu uma sala no bairro do Catete para funcionar como sede, além da verba para a impressão dos folders. Os móveis, sofás e estantes cada um trouxe de sua casa e todos os envolvidos trabalham de graça.

Objetivos – “O diretor da Funarte, Humberto Braga, que foi um dos participantes do Motin, é uma pessoa sensível e consciente, mas ele também tem seus limites orçamentários”, reconhece Alice. Com o apoio da Funarte o CBTIJ , mandou representantes para os festivais de teatro jovem da Dinamarca e de Lyon na França, e em outubro promove uma mesa-redonda cujo tema será A Linguagem do Teatro para Crianças e Adolescentes no Brasil e no Exterior. Um dos objetivos da entidade é o aperfeiçoamento dos profissionais envolvidos com o teatro infantil, por meio da promoção de debates, seminários e intercâmbios.

O CBTIJ enviou também para a Secretaria de Cultura Municipal do Rio um plano de ação voltado para o teatro infantil e tenta agora agendar um encontro com a secretária Helena Severo. Embora a Prefeitura do Rio subsidie alguns espetáculos infantis, a iniciativa é ainda considerada muito tímida, pois beneficia no máximo 30 espetáculos por ano. “É o cachê é sempre menor quando se trata de teatro infantil”, comenta a atriz Fátima Café, membro do conselho fiscal do CBTIJ.

Embora a qualidade artística alcançada pelo teatro infantil hoje no Brasil seja incontestável – basta ver as premiações e convites para festivais no exterior, ainda é pequeno o número de crianças com acesso a este trabalho e muito difíceis as condições de sobrevivência desses grupos, afirma Alice. “Queremos lutar para reverter este quadro.” A diretoria do CBTIJ batalha agora por uma entrevista no programa do Jô Soares. “Culto e inteligente o Jô mais de uma vez usou a expressão teatro infantil de forma pejorativa”, comenta Alice. “Jô é um formador de opinião e é com eles que queremos atuar.”