Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 06.11.1976

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Ao perdedor, as cenouras

A escolha é sua, leitor. Qual dessas frases é mais inteligente, mais útil para seus filhos, mais original ou mais expressiva? Se gostar de alguma, pode ficar com todas. E se gostar de todas, vá correndo ao Teatro de Bolso ver A Cenoura Encantada. Caso não goste, entretanto, pense duas vezes antes de levar suas crianças para ver uma peça de Washington Guilherme, autor da moda com As Aventuras da Patinha Ti-Rin-TinCapitão Birigundo e Carrossel Maravilhoso, todas em cartaz (a única com condições de ser vista é a última e, mesmo assim, devido à boa montagem de André Prevot). Vamos às frases tiradas desta cenoura muito pouco encantada:

– Que castigo dar ao lobo?
– Temos que vencê-lo para fazê-lo (sic) um homem de bem.
– Levá-lo para casa e ensinar as coisas boas.
– Eu como legumes e verduras, seu Lobo, sou forte.
– Meus amiguinhos, quando chegarem em casa peçam à mamãe para dar a vocês um prato de cenoura, crua ou cozida.
– Promete que vai ser bonzinho? Se prometer, a gente solta. Basta?

Ou será preciso falar de uma trama na qual a Formiga, no início da peça, treme de medo diante de um simples coelho e depois, sem ter passado por curso de superalimentação, de defesa pessoal ou de coragem, não tem qualquer sombra de medo do Lobo, que, como todos já imaginam, é mau? Ou que dizer de uma inteligentérrima ideia, recebida com aplausos pelos outros personagens (“Já que o Lobo está nos esperando por aqui, vamos por outro caminho”), e que de nada vale porque – ninguém sabe a razão – eles acabam indo parar nas garras do Lobo?

A ressaltar, neste festival de inutilidade, um comportamento menos tatibitate e menos clichê dos atores, entre os quais se destaca o rapaz que faz o Leitão (quem é?), com bom tempo, segurança, dinâmica.

Em síntese: um texto absurdamente educativo e um espetáculo, dirigido por Jayr Pinheiro, tão fraco, quanto a peça. Ao final, aprendemos que cenoura crua ou cozida é a mesma coisa – o importante é comê-la. Mas que o lobo mau se atravesse sempre no nosso caminho e nos impeça de chegar até certas cenouras que, na realidade, não são cozidas nem cruas, mas desgraçadamente encantadas. E o que é que nossos filhos têm com isso?