Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 04.06.1975

Barra

A Casa das Bonecas

O texto de Carlos Nobre acha-se bastante truncado na montagem em cartaz no Teatro Miguel Lemos. O espetáculo transmite a plateia ideias até opostas as do texto, provocando informações confusas e muita gratuidade. Não fica claro que Seu Zé é um velhinho que tem o saudável hábito de pegar brinquedos desprezados pelas crianças, nas ruas, jardins e latas de lixo: a impressão que se tem é a de que seu Zé é um moço dono de uma loja de consertar bonecos quebrados; pelo texto, os brinquedos são profundamente gratos ao seu Zé por tê-los acolhido e por ter consertado seus defeitos, mas a montagem mostra que os bonecos detestam Seu Zé e que temem a sua presença. Dessa forma, a encenação não traduz, para o público, o básico relacionamento de amor que existe entre bonecos e seu protetor; e, em consequência, todas as ações da peça tornam-se ou arbitrárias ou incoerentes.

Além do mais, o texto de Carlos Nobre defende um tipo de atitude pouco justificável. Para o autor, não importa muito a maldade que uma pessoa faça a outras, desde que ela possa se defender alegando uma revolta por ter sido vítima do desprezo. E a peça vive, ainda, de recursos anacrônicos, bem exemplificados nessas duas falas: “Nada de Contar para seu Zé que nós tomamos vida quando ele sai” e “Vamos perguntar para as crianças onde é que eles foram?”

A direção de André Prevott tem bom ritmo, tem humor e dinamismo. Apesar de não ser uma direção criativa, ela faz com que o espetáculo corra bem, exceto numa parte do segundo ato quando a gritaria das crianças torna-se insuportável e trunca o desenvolvimento da ação. E uma das razões de a montagem falhar na informação está no fato de que os bonecos e o ser humano têm um comportamento cênico idêntico.

No elenco – com exceção feita a Claudiomar Carvalho (Seu Zé) – todos saem-se bem em termos individuais, mas a direção não conseguiu obter, dos atores, um conjunto harmonioso que pudesse conferir um estilo à representação. Francisco Falcão (Palhaço), Mimi (Cláudia Ayres), Lelé (Luci Costa) e André Prevott (Urso Tatá) estão bastante seguros. O destaque fica para o humor do Urso Tatá. Todavia, Claudiomar Carvalho tem uma interpretação muito dura, sem verdade e demasiadamente apagada: o espetáculo cai quando ele fica em cena.

A produção tenta utilizar de modo positivo e cenário da peça adulta em cartaz, e isso poderia ser conseguido caso fosse criado um clima adequado: o espaço fica muito vazio, faltam alguns brinquedos dando atônica visual, faltam cores. Os figurinos têm a mesma característica do trabalho dos atores: bem resolvidos individualmente, mas sem sentido de conjunto.

A Casa de Bonecas mostra que, no Miguel Lemos, a produção começa a ser mais cuidada. Mas, apesar dessa evolução, ainda subsistem alguns equívocos a serem sanados nos próximos trabalhos.

Recomendações:
Pluft, no Tablado; A Viagem de Barquinho, no MAM; Criançando, no Casa Grande; e Você Tem um Caleidoscópio?, no Teatro Nacional de Comédias, em última semana.