Maria Clara Machado

Crítica publicada no Diário de Notícias
Por Henrique Oscar – Rio de Janeiro – 1958

Peça para Crianças em cartaz no Tablado

A criança é o público de teatro ideal: com sua imaginação fácil, acostumada ao “faz de conta”, parte integrante de sua atividade diária, completa as deficiências dos textos e das representações que lhe são proporcionados, aceitando sem qualquer reclamação as mais bisonhas sugestões e dando-as como boas.

Por isso o teatro infantil é entre nós esse campo de tanta improvisação, precariedade, mau gosto, pouco caso, e, às vezes mesmo, picaretagem. Os que se interessam pelo gênero estarão lembrados do que foi o ano passado a apresentação em julho, no Teatro da Tijuca, da peça A Bruxinha Que era Boa, de Maria Clara Machado, por um grupo de Porto Alegre. A autora e seus companheiros do Tablado parece que resolveram como que desagravar o texto então tão mal tratado e disso resultou o atual espetáculo do grupo, em seu teatro, no Patronato da Gávea, muito provavelmente a melhor produção para crianças até hoje apresentada ali. No que respeita a própria peça, continuamos com a opinião manifestada quando da apresentação anterior; consideramo-la das menos interessantes de Maria Clara Machado. É verdade que o fazemos de um ponto de vista pessoal, encarando-a como interesse para nós, aspecto sob o qual as preferências vão para Pluft, o Fantasminha. Inclusive porque como tema é bastante convencional, com suas bruxas, bruxos, encantamentos, música de destruir bruxedos, meninos lenhadores, filhos de pobres e que tocam flautas e outros lugares comuns do gênero, apenas tratados de um modo pessoal, não rotineiro.

Tratamento cuja originalidade consiste também em não levar os temas completamente a sério, evitando o inconveniente da fantasmagoria, de pavor, que assusta as crianças e existe quando esses temas são tratados de forma tradicional, como por exemplo em A Menina Sem Nome, de Guilherme Figueiredo.

Maria Clara Machado, porém, repete nessa obra o mesmo truque conseguido com o Lobo de seu Chapeuzinho Vermelho: aqui bruxos e bruxas são elementos aceitos como maus para que a peça possa existir e desenvolver-se, mas há neles um tom caricatural que impede o público infantil de levá-los a sério e consequentemente de assustar-se com eles, de temê-los realmente.

Por outro lado, considerada do ponto de vista do espectador infantil A Bruxinha Que Era Boa tem a qualidade de ser muito movimentada, pois, como se sabe, a criança prefere ação a diálogo, sendo assim a funcionalidade do texto total. Aliás, a autora nos havia defendido seu texto precisamente nesses termos: não afirmando-lhe qualidades transcendentes, mas assegurando que a partir dele se poderia fazer um bom espetáculo. Sob esse aspecto a atual apresentação do Tablado é de fato excelente. A encenação está cheia de achados, é engraçadíssima, com pormenores extremamente felizes. Mas sua qualidade não se limita à sua comicidade de maneira alguma. A realização tem marcações de grande efeito plástico, beleza visual e muita poesia. O lindo cenário de Ana Letícia, as roupas felicíssimas de Kalma Murtinho, a música de Reginaldo de Carvalho, a luz de Carlos Augusto Nem, a sonoplastia de Edelvira Fernandes e os demais elementos se entrosam, unem e combinam, sob a direção de Maria Clara Machado, que aí tem sua mise-en-scène mais completa, mais amadurecida, mais feliz que até hoje nos tenha proporcionado. E depois, há o capricho, cuidado, o acabamento e o bom gosto que sempre caracterizam as realizações do grupo e no caso presente ainda mais marcantes. Se é possível que desta vez a história interesse menos aos adultos, nem por isso eles deverão deixar de ir também ao Tablado, porque o espetáculo em si mesmo certamente os encantará.

Na interpretação sobressaem Bárbara Heliodora, excelente na bruxa-Instrutora; Yan Michalski, exibindo outra máscara felicíssima no Vice-Bruxo; Virgínia Vali na Bruxa-Caolha; Germano Filho no Bruxo-Belzebu III e Vânia Veloso Borges na Bruxinha Angela. Completam o elenco Lejzor Bronz, Elisabeth Galoti, Juarezita Alves, Diná Gonçalves Pinto e Flávia Cardoso.

Espetáculos aos sábados e domingos, às15h30 e 17h.