Entre as crianças e o boi voador, uma troca de prazer com um museu por cenário

Matéria Publicada no Jornal Programação Funarte
Por Lúcia Yunes – Rio de Janeiro – Julho 1987

Brincando de Coisa Séria

Público Infantil injeta energia no Museu do Folclore

“Toda relação da criança com o conhecimento tem que ser uma relação de prazer”. Esta foi a avaliação de uma professora em visita ao Museu de Folclore, há alguns dias, dentro do projeto A Brincadeira do Boi Voador.

Prazer no conhecimento, na descoberta do novo. Esta afirmação aparentemente simples, recoloca uma grande questão no trabalho dos museus nos dias de hoje: o seu papel enquanto espaço que guarda um saber e a dificuldade em torná-lo acessível aos visitantes. Como adequar a informação a públicos diversos estabelecendo uma relação prazerosa sem detrimento da qualidade do conteúdo?

Informar é, sem dúvida, a essência do museu que tem em seu acervo objetos que contam uma história. Torná-la compreensível através de uma exposição nem sempre é tarefa fácil. Para muitos fica sempre a imagem de que museu “guarda” o que já está morto. Lugar para intelectuais, onde o visitante comum quase nunca tem vez, o museu carrega o estigma de espaço intocável, acessível apenas a alguns poucos.

A preocupação com a formação de público tem sido constante nas áreas de música, teatro e também museus. Assim o público infantil torna-se alvo de diferentes projetos nessas áreas. Pensando na questão específica das instituições museológicas, um grupo de atores e músicos idealizou o projeto denominado O Espaço do Museu – Uma Odisséia no Tempo, que tem por finalidade tornar mais dinâmica e viva a relação da criança com o museu. O grupo, que vem trabalhando nessa proposta há tempos, trouxe para o Museu de Folclore Edison Carneiro A Brincadeira do Boi Voador, que tem como preocupação central “comprometer o visitante com um mergulho sensível e poético no imaginário popular, vivendo o resgate de sua memória de forma ativa, pois a manifestação popular e folclórica está pulsando e só é objeto de museu se a considerarmos dentro de uma perspectiva contemporânea e participante”.

Tomando como base para o roteiro o Auto do Boi o grupo realiza uma visita com as crianças por toda a exposição, colocando-as em contato direto com os objetos ali apresentados, de forma lúdica e criativa, mas nem por isso menos correta e fiel quanto à informação.

Através desse trabalho, o Museu Edison Carneiro tem procurado repensar sua relação com o público e mais precisamente com as crianças. Um museu dedicado à cultura popular não é um museu que apenas preserva o passado, mas que, antes, recupera para o homem brasileiro sua própria história, seus hábitos e seu modo de viver. Assim, A Brincadeira do Boi Voador vem servindo para subsidiar uma discussão mais ampla. A relação da linguagem teatral com a linguagem museológica tem resultado numa experiência rica para a criança e para o próprio professor, que, através de um jogo lúdico, participativo, embasado no acervo museológico, tem acesso à informação.

Nesse projeto trabalha-se mais a percepção da criança em relação aos objetos expostos. A preocupação não é formalizar os conteúdos embutidos em cada peça do acervo. Importa muito mais que ela perceba o todo da exposição e se identifique nas coisas que observa.

O trabalho teve sua primeira fase encerrada em junho. Devendo ser retomado em agosto, pretende atingir mais escolas e, quem sabe, ampliar-se para o público infantil em geral. Atuar junto à escola não significa que o museu toma para si as atribuições desta ou que deseja substituí-la. A prioridade dada a alunos e professores é por ser esse público o principal frequentador do museu.

Esse desejo de estreitar relações com o público se estende a pesquisadores, estudantes universitários e a pessoas interessadas em cultura popular. O trabalho do museu é subsidiar, complementar e fornecer elementos que possibilitem uma informação mais acessível e adequada, de modo a atender a diferentes interesses. O que não se pode é privilegiar apenas alguns pesquisadores, em detrimento dos demais visitantes, tornando o museu um lugar apenas para os iniciados na área.

Preservar, documentar, pesquisar e coletar informações é parte do trabalho a ser executado pelo museu, que precisa divulgar e difundir suas informações, sob pena de se isolar da comunidade em que se insere e tornar-se um fim em si mesmo.

Na avaliação das crianças que já tem participado da brincadeira, já se podem encontrar alguns indícios da validade desse projeto. Antes de um dos espetáculos uma menina perguntou: “Museu é sempre tudo de ouro?” Ao final da visita, a surpresa de uma outra criança ao perceber que este “lugar” se parece com sua própria história: “Esse museu aqui é diferente. Ele fala da vida de cada um de nós: a gente nasce, vai para a escola, casa, fica rico, mas não precisa ficar muito rico não, depois fica velho e morre”. Essa foi uma referência suscitada a partir da observação da obra A Escada da Vida de Antônio de Oliveira, sem a interferência direta de uma explicação didática. As Brincadeiras de Bois Voadores não seriam uma possibilidade de discussão e revisão do papel social do museu?

A Brincadeira do Boi Voador é um projeto idealizado por Cristiano Mota Mendes, Ronaldo Mota, Sônia Piccinin e Tônio Carvalho, tendo como atores convidados Vânia Alexandre e Itaércio Rocha. Patrocínio: Indústrias Reunidas São Jorge S.A.