Angelo Brandini

Matéria publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 26.12.2014

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Ângelo Brandini, o “Senhor Talento 2014” no teatro para crianças

Esta coluna elege o diretor do premiado Bruxas da Escócia como o destaque do ano nos palcos infantis

Em minha última coluna do ano aqui no site da ‘Crescer’, decidi eleger, homenagear e entrevistar a figura do teatro infantil paulistano que, a meu ver, mais se destacou em 2014: o ator, diretor, clown e dramaturgo Ângelo Brandini, capitão da trupe Vagalum Tum Tum. Ele arrebatou público e crítica com sua quarta adaptação para crianças de um clássico de William Shakespeare, Bruxas da Escócia espetáculo baseado na tragédia Macbeth que lotou o teatro do Sesc Pompéia por dois meses. A peça foi a vencedora do 1.º Prêmio São Paulo de Incentivo ao Teatro Infantil e Jovem, em três categorias: melhor espetáculo infantil do ano, melhor direção (Brandini) e melhor atriz coadjuvante (Christiane Galvan). E também ganhou o Troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) como melhor espetáculo de texto adaptado.

Depois de transformar Othelo em Othelito, Rei Lear em O Bobo do Rei e Hamlet em O Príncipe da Dinamarca, sempre com muito talento e aceitação, Brandini fez de Macbeth um espetáculo divertido, ágil, brincalhão – sem descaracterizar a trama e as principais características dos personagens do original. Como já escrevi aqui, “as mãos sujas de sangue da ‘malvada’ Lady Macbeth, a floresta que ‘anda’, a trindade de bruxas agourentas e visionárias – todas essas referências aparecem no espetáculo, mas o importante é que elas surgem de formas inusitadas, ludicamente recriadas por um elenco afinadíssimo e homogêneo, em que todos tiveram a oportunidade de mostrar talento: Anderson Spada, Christiane Galvan, Tereza Gontijo, Val Pires, Erickson Almeida e Layla Ruiz.”

Só isso já bastaria, mas Brandini fez muito mais pelo público infantil em 2014.  Assumiu a direção da Cia. de Teatro Municipal de Jundiaí, montando ali Senhor Dodói (adaptação de Molière), que ficou todo o ano em cartaz e continuará em 2015. Fez o roteiro e dirigiu Cantos de Casa, um show para crianças com Badi Assad. Assinou a dramaturgia de A Condessa e o Bandoleiro, premiado como melhor espetáculo jovem no mesmo 1.º Prêmio São Paulo. Além disso, prosseguiu redigindo e atuando em Rádio Para Choque, esquetes sobre cidadania no trânsito na Rádio Eldorado e Estadão. “Não é um programa para crianças, mas elas adoram”, ele conta. “Os personagens são os elementos do trânsito, faixas de pedestres, placas de sinalização, pneus marginais que sobem nas calçadas e assim por diante.”

Com a palavra, o “Senhor Talento” de 2014 no teatro para crianças: Ângelo Brandini.

Crescer: Vocês vão circular no ano que vem com as quatro adaptações de Shakespeare para crianças? Conte um pouco sobre isso (locais, datas) e sobre o que mais vão fazer no ano que vem.

Ângelo Brandini: Em 2015 voltaremos às atividades em fevereiro com algumas apresentações em Mogi Guaçu, São Bernardo e Jundiaí. Em março e abril fomos convidados pelo Sesi para fazer a abertura da Programação Especial em nove cidades do interior de São Paulo com dezoito apresentações de Bruxas da Escócia. Nos meses de maio a julho faremos uma mostra do nosso repertório em São Paulo, no Teatro Viradalata, através do Prêmio Zé Renato da Secretaria Municipal de Cultura. Para o segundo semestre já estamos analisando algumas propostas.

Crescer: Qual das quatro adaptações deu mais trabalho ou o deixou mais inseguro como adaptador? Por quê?

Ângelo Brandini: Todas elas me deram muito trabalho e muita insegurança. Aliás, insegurança é um elemento sempre presente no meu trabalho! Bruxas da Escócia foi a mais trabalhosa de todas elas. Adaptar Macbeth é quase uma insanidade! É um texto duro, sem poesia explícita, em que o amor é massacrado em favor das relações de poder.

Crescer: Fale um pouco sobre o processo de adaptação das quatro peças. O seu jeito de trabalhar foi igual nos quatro casos ou cada peça de Shakespeare exigiu uma forma diferente de pensar o texto adaptado?

 

Ângelo Brandini: O processo é praticamente o mesmo para qualquer adaptação. Acontece que fui aprimorando desde a primeira. Othelito foi escrita quando ainda não existia a Cia. Vagalum Tum Tum na formação atual, por isso não contava com a possibilidade de escrever pensando nos atores que a representariam. O fato de escrever já pensando no elenco é muito legal! Além disso, quando escrevo já penso a direção junto com o texto e neste processo o fato de conhecer as possibilidades do elenco é uma grande facilidade.

Crescer: Parece que, das quatro montagens de Shakespeare, Bruxas da Escócia foi a que contou com menos apoio financeiro, menos verba de patrocínio. Por que isso se deu? A qualidade de sua trajetória não lhe garante boas negociações com patrocinadores?

 

Ângelo Brandini: É verdade, montamos a peça sem nenhum recurso financeiro advindo de patrocínio. Por conta de um vacilo burocrático não comprometemos o provável patrocinador e ficamos sem os recursos. Mas o fato de estrearmos no Sesc Pompéia garantiu a reposição dos recursos que investimos e terminamos a temporada de estreia sem dívidas. É incrível, mas termos o reconhecimento do público e da crítica com nossos trabalhos não garante parcerias de investimento privado. Na maioria das vezes o critério de qualidade não é relevante para a pessoa da empresa que escolhe o que patrocinar. Mesmo porque, muitas dessas pessoas não têm parâmetros para avaliar. Não faz diferença se temos um trabalho continuado de pesquisa, se investimos em formação técnica, se mantemos um repertório de espetáculos premiados e com grande aceitação do público. É como se tivéssemos que recomeçar do zero a cada montagem.

Crescer: Você teve tempo de ver outras montagens infantis de outros grupos em 2014? Quais e o que achou?

Ângelo Brandini: Vi algumas, menos do que gostaria.  Umas muito boas outras nem tanto, mas de uma maneira geral vejo a qualidade dos espetáculos cada vez melhor. Tem muita coisa boa de 2014 que ainda não vi. Dentre aquelas que vi quero destacar A Saga de Dom Caixote, com dramaturgia de Nereu Afonso da Silva e direção de Fernando Escrich, no elenco Monique Franco e Henrique Rímoli. Uma ótima e original adaptação de Dom Quixote.

Crescer: O que você acha que precisa melhorar no cenário de teatro infantil paulistano, para facilitar o trabalho de grupos tão premiados quanto o Vagalum Tum Tum?

Ângelo Brandini: Apesar de todos os avanços do teatro infantil e jovem em São Paulo, sinto que ainda temos que transpor alguns obstáculos. Um deles é o preconceito da própria classe teatral. Faço questão de convidar alguns colegas do teatro adulto que respeito e admiro para assistirem às nossas peças e não é fácil convencê-los! Quando finalmente vão, ficam maravilhados e querem ver todo o repertório. Uma vez estávamos em cartaz em um teatro que gostamos muito e a produção do espetáculo adulto que dividia o palco conosco propôs que usássemos parte do seu cenário, que tinha elementos parecidos com o nosso para poupá-los da desmontagem! Em outro momento, um importante colunista do jornal Folha de São Paulo escreveu na mesma coluna sobre nossa adaptação de Hamlet, O Príncipe da Dinamarca, e a montagem adulta de Hamlet que estavam em cartaz ao mesmo tempo e vários colegas acharam aquilo um absurdo! Isso reflete, por exemplo, na diferença dos valores que são oferecidos no ato de contratação de um espetáculo para crianças e de um adulto.

Crescer: A sua equipe de trabalho é sempre a mesma, basicamente, não é? Como manter as pessoas em um mesmo coletivo por tanto tempo, sem garantias seguras de continuidade de trabalho? Sua lábia é boa? Qual o seu poder de sedução?

Ângelo Brandini: Para desenvolver uma linguagem é importante manter uma base mínima de pessoas trabalhando juntas. As pessoas gostam de trabalhar na Cia. Vagalum. Eu e minha mulher, a atriz Christiane Galvan, procuramos ter uma relação muito profissional e garantir a todos os que trabalham conosco as melhores condições de trabalho possíveis. Prezo muito por um clima gostoso e saudável nas relações, às vezes é melhor abrir mão de um talento para manter a serenidade do grupo. Temos pessoas trabalhando conosco desde que começamos o projeto de adaptações dos clássicos, Val Pires e Anderson Spada, com quem sempre pudemos contar. Apesar disso não somos um grupo fechado, no sentido de ninguém entra, ninguém sai. Aliás, estamos interessados em artistas familiarizados com nossa linguagem para as próximas montagens.

Crescer: O fato de dirigir seus próprios textos leva a quais prós e quais contras?

Ângelo Brandini: Não consigo escrever um texto sem pensar na direção, por isso a vantagem de dirigir meus próprios textos é óbvia. A desvantagem é que tenho dificuldades em ver meus textos dirigidos por outra pessoa, a não ser que seja alguém familiarizado com os códigos desta linguagem que tem como base o olhar do palhaço.

Crescer: Qual o próximo Shakespeare que vai adaptar? Fale sobre esse plano.

Ângelo Brandini: No momento estou com a ideia fixa não em uma peça, mas em um importante personagem de Shakespeare que não posso revelar ainda. Também não sei ainda para qual faixa etária das crianças, já que trabalhamos com o conceito de criança de 05 a 105 anos de idade.

Crescer: Você sempre trabalhou muito com a linguagem clownesca. Como você analisa o nível da arte da palhaçaria que se faz hoje em cima de um palco de teatro? Terminaram aquelas montagens oportunistas e sem preparo?

Ângelo Brandini: Leva tempo para formar um bom palhaço e às vezes quando ainda são “verdinhos” são muito iguais, sem personalidade. Mas os bons amadurecem e ganham personalidades próprias, é um processo. Formação é a palavra chave. Aqui gostaria de ressaltar o importante trabalho de um projeto dos Doutores da Alegria, o FPJ, Formação Para Jovens, que tem sido o celeiro de ótimos artistas palhaços.

Crescer: O que você acha que cativou mais a plateia de adultos e de crianças na sua versão de Macbeth, com Bruxas da Escócia?

Ângelo Brandini: Creio que, como as outras versões, a leveza e a forma inusitada de tratar temas considerados tabus para as crianças.

Crescer: A peça viajou para outras cidades, fora a capital? Como outras praças recebem o trabalho da Vagalum Tum Tum?

Ângelo Brandini: Bruxas da Escócia viajou pouco, pois estreamos a menos de seis meses. Mas já levamos as outras peças para muitos lugares do Brasil. Nossas versões de Shakespeare já passaram pelo Acre, Amazonas, Pernambuco, Goiás, Brasília, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, quase todo o estado de São Paulo, sempre com uma ótima acolhida e casas cheias.

Crescer: Complete as seguintes frases de forma sucinta: Trabalhar com clowns é….

Ângelo Brandini: …se libertar do medo do ridículo.

Crescer: Trabalhar com a própria mulher é…

Ângelo Brandini: levar trabalho pra casa.

Crescer: Trabalhar com Shakespeare é…

Ângelo Brandini: …um universo de possibilidades.

Crescer: Trabalhar com teatro para crianças é…

Ângelo Brandini: …ter que fazer o melhor.

Crescer: Trabalhar com música ao vivo é…

Ângelo Brandini: …um privilégio.