Critica publicada no Correio Paulistano – Coluna Teatro
Por O.C. – São Paulo – 01.11.1948

Aconteceu no Teatro Sant’Ana 

Sete de novembro de 1948 pode ser considerado, doravante, como um verdadeiro marco divisório na história do teatro infantil de nossa terra. Daqui por diante, quando nos referirmos as realizações teatrais daquele gênero, fazendo real e absoluta justiça, teremos que situá-las antes e depois de Lúcia Benedetti, Henriette Risner Morineau e Graça Melo.

Sim, porque foi um verdadeiro acontecimento teatral, artístico intelectual, apresentação de O Casaco Encantado no Teatro Sant’Ana, naquele domingo cheio de sol, cheio de vida e cheio de crianças.

Não podemos, entretanto, esquecer algumas iniciativas que já foram feitas para apresentar um teatro infantil. Acontece, porém, que tudo não passou de meras tentativas, e delas não restou senão uma lembrança que o tempo vai esfumando porque não impressionou devidamente, dado que deixou de atingir, como se esperava, seus verdadeiros objetivos.

Jamais admitimos, nesta nossa atividade, nesta luta sempre constante em prol de tudo quanto diga respeito ao teatro e em particular ao bom teatro, que se pudesse fazer um teatro para crianças interpretado por crianças. Estas por mais vivas, por mais inteligentes, por mais precoces que sejam, jamais deixarão de ser, nos palcos, verdadeiros marionetes. Mesmo que as peças se revestam de todos os característicos infantis, provocando as emoções mais primárias, não permitem que as crianças as sintam em toda sua realidade e as transmitam como se deseja. É bem verdade que das iniciativas a que nos referimos, tivemos, mais tarde, brilhando no teatro amador, e posteriormente no profissional, algumas criaturinhas que mostraram ser possuidoras de qualidades apreciáveis. Mas daí até admitir que a capacidade de exteriorização seja digna de registro, vai um passo muito largo.

Teatro para crianças, como sonhávamos, é esse que Graça Melo esta apresentando, é esse cujo original foi escrito por Lúcia Benedetti, é esse cujos cenários e figurinos foram idealizados por Nilson Penna, um valor positivo no meio de tantos outros valores.

Sempre fomos, em nossa infância, um grande ledor de histórias da carochinha, título que hoje engloba todos os contos infantis de antigamente. Não fomos dessa geração feliz que teve, por exemplo, Monteiro Lobato. Pois bem, julgávamos que em matéria de histórias que tivessem um bruxo, uma bruxa, um rei e uma princesa, nada para nós fosse novidade. Mas, Lúcia Benedetti veio nos provar que estávamos enganados. Sua história é nova, é interessante, é bonita, é bem humorada, é viva e atraente. Todos os espectadores do Teatro Sant’Ana, inteiramente lotado, acompanharam com o máximo interesse o desenrolar das cenas, mostrando acentuada simpatia por este ou aquele personagem. Até o bruxo mau e a bruxa chorona conseguiram “fãs”, não se falando na princesinha, que merece um comentário a parte.

E o que é mais interessante no trabalho de Lúcia Benedetti é que, sendo ela uma criatura acostumada a escrever crônicas interessantíssimas para adultos, soube escrever, também para as crianças, empregando uma linguagem perfeitamente compreensível e a altura da capacidade de compreensão de todos. Não incidiu no erro de muitos escritores que apresentam trabalhos para a infância empregando uma linguagem elevada e rebuscada.

Lúcia Benedetti abriu uma grande clareira. Dali percebe-se que um caminho foi traçado. Esperamos que ele seja seguido.

Esperamos também que a brilhante romancista não fique, apenas, nesse seu trabalho iniciado. Muita coisa poderá ser feita, principalmente quando se considera que o gênero é praticamente inexplorado. Alias, sua história nos dá a entender que terá um seguimento. O material é de primeira, uma vez que seja trabalhado com o mesmo carinho, com o mesmo entusiasmo e com a mesma dedicação que Lúcia o trabalhou.

As linhas mestres estão perfeitamente delineadas. O êxito que coroou a representação mostra que há público. Mostra que as crianças se interessaram pelo espetáculo, mas esse interesse não se situou, apenas na representação, como principalmente na linguagem.

Lúcia soube, além do mais armar com uma expressiva capacidade e visão, situações as mais diversas sem quebrar o ritmo de ação. Um desenrolar inteiramente a gosto do pequeno espectador e – por que não?

– Também do espectador adulto.

Detalhes dos mais inteligentes foram mostrados, a começar pela localização da vovozinha no canto do palco, para receber seus netinhos durante o intervalo.

Nenhuma restrição temos a fazer, ao trabalho de Lúcia Benedetti, que só merece encômios. Apenas queremos repetir uma observação: que não seja esse o único original.

Nosso espaço é curto. Continuaremos.