Clorys Daly

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Primeiras Lembranças

Eu nasci em Três Barras, no interior de Santa Catarina.  Fui alfabetizada em Curitiba, moramos alguns meses em Itararé, São Paulo e depois meu pai foi transferido para o Rio de Janeiro. Quando cheguei ao Rio eu tinha oito anos de idade. Meu pai trabalhava numa empresa americana, no ramo da madeira e no lá no interior tinha uma situação muito boa. Era tesoureiro da empresa.  Minha mãe era professora, aprendeu inglês e falava com bastante desenvoltura, uma coisa rara naquela época. Morávamos com conforto, numa casa enorme com jardim, mas minha mãe bateu o pé que não queria criar os filhos no interior. Nessa época a empresa que meu pai trabalhava foi encampada pelo governo e ele se tornou funcionário público. Minha mãe insistiu tanto que conseguiu sua transferência para o Rio de Janeiro. Meu pai trabalhava no edifício A Noite, onde também ficava a Rádio Nacional.  Ele ganhava ingressos e eu ia muito ao programa do César de Alencar.

Nesse programa, tinha um concurso de cartas. Eu sempre concorria. Três candidatos eram selecionados da platéia, subiam ao palco e tinham um determinado tempo para escrever a carta. Depois liam ao microfone e o vencedor era escolhido por palmas.  Na terceira vez consecutiva que ganhei, o Cesar de Alencar brincou comigo: “Você de novo? Não!”.

Nós morávamos no Flamengo, na Rua Machado de Assis e quando cheguei em casa todos os vizinhos estavam na rua me esperando. Lembro que minha mãe disse que ficou gelada porque o tema da carta que eu tinha que escrever era “para a minha sogra me queixando que o marido chegava tarde em casa,  ficava na farra”. Eu tinha 11, 12 anos, mas eu escrevi e ganhei.

Lembro também que sempre via a Emilinha Borba e a Marlene se apresentando, e a platéia brigando para eleger  a melhor. Era muito engraçado.

Eu sempre imaginei que seria atriz. Na escola, minha mãe ensaiava as meninas para pequenas apresentações. Mas no fundo, eu realmente tinha vocação para produção. Desde que eu me entendo por gente, eu gostava de estar no comando.  Lembro que a minha primeira grande produção foi meu baile de formatura do ginásio. Eu sabia que no final do ano sempre ficava pesado para bancar as formaturas.  Tinha o exemplo lá em casa  com a formatura do meu irmão. Então no primeiro dia de aula fiz uma proposta para os alunos que a cada mês, cada um desse um tanto. Conversei com os pais sobre uma contribuição mensal para no fim do ano não haver problemas. Todos acharam a proposta interessante e eu pedi a professora de geografia, que era muito enérgica, para me ajudar na parte financeira e tudo deu muito certo. O baile foi no Clube Ginástico Português, com a Orquestra do Maestro Chiquinho, dia 16 de dezembro de 1948!  Foi uma festa lindíssima, que organizei tudo, com a supervisão financeira da minha professora. E desde então, eu sempre estive à frente da produção.

Minha mãe queria sempre o melhor para seus filhos, tanto que viemos para o Rio e fomos estudar no Colégio Franco Brasileiro, um dos melhores na época.  Meu irmão foi matriculado primeiro e como não havia dinheiro para pagar para os dois filhos, ela me ensinou em casa durante certo período.  Meu pai havia sido transferido do interior para a Cidade Maravilhosa com o mesmo salário… e  a nossa situação financeira mudou muito no Rio.

Casamento

Quando meu marido chegou ao Brasil, ele tinha 19 anos. Ele veio em 1949, no primeiro grupo de militares norte-americanos (Marines) para segurança da Embaixada Americana, que ainda era no Rio. Antes disso a segurança era feita por civis. A Embaixada ficava no mesmo local, onde hoje é o Consulado. Era um prédio baixo, estilo espanhol, com um pátio interno. Muito bonito. Vieram sete militares de elite e não sabiam falar português. Minha mãe dava aulas de português para o pessoal da embaixada. Quando ele chegou lá em casa, não tinha mais vagas. E ela propôs que eu ensinasse português para ele e em troca ele me ensinaria inglês. Eu tinha 15 anos e tinha apenas o inglês do ginásio. Quando a gente saía, eu levava um dicionariozinho. Logo começamos a namorar e quando estourou a guerra da Coréia, ele me pediu em casamento. Minha mãe não queria, pois eu era muito nova. Mas ela pensou que ele ia embora e não voltaria.  Ficamos noivos no dia de meu aniversário, quando fiz 17 anos. Só que ele não foi pra guerra. Acharam que era mais fácil manter os Marines aqui do que substituí-los.

Queríamos casar, mas minha mãe disse: “Não casa sem se formar”.  Então tivemos que esperar eu terminar o curso de Biblioteconomia na Biblioteca Nacional, que na época era um curso de dois anos e não era reconhecido como curso superior.  Felizmente, muitos anos depois, foi reconhecido e recebi meu diploma universitário.

Casamos e fomos para os Estados Unidos.  Fomos morar em New Jersey. Nos cinco  anos que passei  lá aprendi muito. Foi uma grande universidade. Aperfeiçoei meu inglês, fiz curso de secretariado e de taquigrafia em inglês. Consegui um emprego muito bom em New York, no Rockefeller Center. Trabalhei com empresas de importação e exportação. Até que bateu uma saudade muito forte e como meu marido gostava daqui, viemos embora, nos aventurar.

Conseguimos trazer na bagagem muitas coisas, inclusive um carrão novo, que vendemos e foi o que nos segurou por uns tempos. Eu comecei a trabalhar e o inglês me valeu muito. Hoje em dia muita gente sabe falar inglês, mas naquela época ninguém sabia. Vi um anúncio da Esso, concorri com umas 400 pessoas e fui a escolhida. Fiquei nove anos na empresa.

Começando a fazer Teatro

Nesse meio tempo fui fazer o Conservatório Nacional de Teatro, porque eu sempre quis fazer teatro e meu pai não deixava influenciado pelo que ele via e escutava da Rádio Nacional, que como já disse, ficava no prédio onde ele trabalhava.

Uma noite, eu, meu pai e meu marido estávamos jantando. Meu pai  me deu um anúncio, dizendo: “Olha isso. Você não quer fazer esse curso?” E acrescentou: “Agora eu não mando mais em você, seu marido é que manda”.

No Conservatório Nacional de Teatro fui aluna de Maria Clara Machado. As aulas eram à noite, na Av. Osvaldo Cruz.
Logo que entrei no Conservatório, fui convidada a participar de um grupo chamado Teatro Universitário Cultural do Brasil (TUCB). Orlando Macedo, nosso  professor e diretor teatral, montou esse grupo e dirigiu uma peça chamada À sua Imagem, de Pierre Lescure. Foi uma montagem muito grande, apresentada nos jardins do Palácio Guanabara.  Um dos componentes do grupo, Wilson Chebar, arquiteto, montou um palco todo de madeira, que era um hexágono. Nesse espetáculo, acabei sendo a produtora, porque não tinha papel feminino.

Clorys Daly,  capa da Revista Essobras, em Beata Maria do Egito, 1959

Montamos também Messias, de Aristóteles Soares, e apresentamos no palco da Escola Americana.  Também participei da montagem de Deus lhe Pague, de Joracy Camargo, que apresentamos no Teatro Dulcina e A Beata Maria do Egito, de Raquel de Queiroz. Todos pensam que foi a Glauce Rocha a primeira Beata, mas não foi. Nós estivemos na casa da Raquel de Queiroz e ela  autorizou a montagem pelo TUCB. Eu estava certa que faria a Beata, mas o Orlando Macedo escolheu outra moça do grupo.  Eu fiquei muito decepcionada. Apresentamo-nos no Festival de Estudantes do Pascoal Carlos Magno, no Recife, fazendo os dois espetáculos do nosso repertório: Deus lhe Pague  e Beata Maria do Egito. A atriz que fazia a Beata engravidou de um rapaz do grupo e eu acabei substituindo-a para uma apresentação no Teatro Francisco Nunes, em Belo Horizonte.

Naturalmente quando voltamos dos Estados Unidos fomos morar com meus pais. Mais tarde alugamos uma casa de dois andares na Sá Ferreira e lá ficamos 15 anos. Meu marido através da Embaixada conseguiu seus primeiros trabalhos e assim fomos nos fixando no Rio. Um dia, uma amiga, sabendo que eu estava estudando no Conservatório, disse para eu procurar o irmão dela que também trabalhava na Esso. Ele se chamava Claudionor e trabalhava na Contabilidade. Fui procura-lo e acabamos ficando amigos. Era o Cláudio Ferreira e acabamos trabalhando juntos durante muitos anos. Ele estava cursando  a Escola de Teatro Martins Pena.

Começamos a inventar histórias e montamos um espetáculo chamado Fantasias. Ele, bom ator, também era mímico. Tinha  estudado com o Luís de Lima. Nossa primeira montagem se dividia em duas partes: A primeira era composta por quadros de mímica e a segunda parte nós montamos As Máscaras, de Menotti del Picchia.  Fizemos uma curta temporada no Clube dos Decoradores, em Copacabana.   A estreia foi suspensa, pois aconteceu no dia em que o Presidente Kennedy foi assassinado.  Como nós ainda tínhamos muita ligação com a Embaixada Americana, adiamos. Tínhamos uma boa plateia, naturalmente com muitos amigos e convidados.  Estávamos indo bem, mas o Cláudio pegou catapora e tivemos de cancelar a temporada. Essa foi nossa primeira investida em Teatro.

Continuamos a trabalhar na Esso e paralelamente íamos fazendo nosso teatro, até que um dia resolvemos sair da Esso e foi aí que abrimos o Arena Clube de Arte, numa sobreloja da Rua Barata Ribeiro, 810. Era estilo Café Concerto, 80 lugares; drinks e tira-gosto eram servidos antes dos espetáculos, que aconteciam com muito sucesso, principalmente pelo inusitado da proposta. Cláudio foi o primeiro a se demitir da Esso. Eu fui ficando, mas acabei não resistindo e também me demiti. Foram cinco anos de muito trabalho, muitas produções.

Nossa primeira produção Bonito Bonito é o Colibri, autoria e direção de Luis Carlos Saroldi, contava com Dirce Migliaccio no elenco.  Em seguida o Auto do Boi Guerreiro , texto e direção do Cláudio Ferreira.  Elenco liderado por Grande Othelo, no papel de Mateus.

Tempos depois, transformamos esse espetáculo em teatro de bonecos, que foi um dos nossos carro-chefe durante muito tempo. Mas antes do Grande Othelo entrar, quem fazia era um amigo do Cláudio, colega da Martins Penna. O espetáculo ia muito bem, mas um dia esse ator que tomou um porre e se meteu numa grande confusão no bar em frente ao teatro. O Cláudio não perdoou e o dispensou na hora.

O Cláudio achava que para peça continuar fazendo sucesso, tínhamos que colocar um ator famoso, e pensou no Grande Othelo. Achei que ele não toparia, mas liguei para o Nei Machado, um jornalista amigo, e ele me informou  que o Grande Othelo, durante o dia  ficava  internado na Clínica São Vicente para evitar qualquer possibilidade dele beber, pois  trabalhava à noite na boate Fred’s do Carlos Machado.

Lá fui eu falar com o Grande Othelo, que me recebeu muito mal. Fiz a proposta, entreguei o texto e ele sugeriu que eu o procurasse dentro de um mês… Imagine minha audácia… disse que lhe  daria apenas 48 horas.

Não é que ele adorou o texto? Me telefonou, aceitou e começou a fazer a peça. Ele não bebeu uma gota de álcool, durante toda a temporada.  Depois do espetáculo a gente ficava conversando, conversando… e ele começou a faltar aos shows na boate…

Acabou se desligando do Carlos Machado e se associando ao Arena Clube de Arte. Ele começou a criar espetáculos. O primeiro foi O que é o Variety?, um show para lançar novos talentos e Grande Othelo fazia as vezes de Mestre de Cerimônias.

O nome do Othelo nos deu muita força. Nosso café concerto passou a ser ponto de encontro de muitos nomes, como MPB4, Sargentelli, Ze Keti, Baden Powell, mas era 1964 e  fomos abafados pelo pessoal do Opinião.

Foi uma época memorável, conheci a Beth Carvalho, a Leila Diniz que na época era casada com o Domingos de Oliveira, Fauzi Arap…  Fim de noite era sempre na “Gôndola”, um restaurante na Rua  Sá Ferreira, que era o ponto de encontro dos artistas, ou  na Fiorentina, no Leme.

O amor pelo Teatro de Bonecos

Clorys Daly, foto Guy Playfair, 1965

Em 1965, assinamos um contrato para apresentações em praças públicas da peça Auto do Boi Guerreiro, baseado no Bumba Meu Boi, com Grande Othelo. Graças a esse espetáculo, assistido por Dona Lotta de Macedo Soares, idealizadora do Parque do Flamengo, tivemos a satisfação de outro convite importante que marcou nossa trajetória: Coordenação da Programação do Teatro de Marionetes e Fantoches do Parque do Flamengo, função que exercemos por um período de quase três anos.  O Auto do Boi Guerreiro foi mais tarde também realizado com bonecos, utilizando uma técnica nunca antes apresentada no Brasil e que havíamos visto na Polônia.  Fantoches de cabeça.  O espetáculo, agora com bonecos, não só percorreu muitas praças do Rio, mas também muitos teatros e praças Brasil afora.

Lembro-me como se fosse hoje quando Dona Lotta mandou chamar o responsável pela produção que tanto apreciara. Lá fui eu ao seu encontro, no escritório do Grupo de Trabalho que funcionava no Horto, um barracão de madeira, no Parque do Flamengo.  Poucas palavras trocadas e ela me convidou para ser responsável pela programação da “menina dos seus olhos” e me entrega as chaves do Teatro de Marionetes e Fantoches, atualmente Teatro Municipal Carlos Werneck, com uma única exigência: aos sábados e domingos teatro de guignol para a criançada !

– Mas Dona Lotta, a Sra. nem ao menos me conhece!

– Minha filha, estou com 60 anos e se a esta altura da vida olhando nos olhos de uma pessoa não souber com quem estou lidando…

O Parque foi inaugurado em 1965 e o Teatro em 1966.  Dona Lotta queria que a programação começasse imediatamente, então estreamos com a única peça infantil que tínhamos em nosso repertório: A Menina e o Mágico, autoria e direção de Cláudio Ferreira.  Eu fazia o papel da Menina.   

Marilisa em Viva Nau Catarineta, 1982

Achamos que seria muito bom, pois poderíamos fazer muitas coisas nos outros horários. Só que não foi bem assim. Naquela época não tinha segurança, não tinha banheiro, faltava muita coisa e inicialmente nos apresentávamos aos domingos. Cobrávamos ingressos a um cruzeiro, e foi o único período em que se cobrou ingresso naquele teatro, porque Da. Lotta era contra esta política de portas abertas – entrada franca.

Eu e o Cláudio conversamos muito. O que vamos fazer com este teatro? A gente já tinha o Arena, na Barata Ribeiro. Aí ele teve a ideia de fazer um festival. Criamos um Regulamento, e levamos para Dona Lotta, que o aprovou de imediato.

Ela foi uma pessoa fantástica na minha vida, me deu muita força, confiava em mim. Ela tinha um barracão perto do MAM, lá na Glória, que era seu escritório.  Tinha paixão pelo teatro de marionetes e fantoches e foi à inauguração do Teatro, acompanhada do então Governador Negrão de Lima. Fizemos o primeiro festival e foi um sucesso. Aconteceu o segundo também no Parque do Flamengo. O terceiro foi realizado no recém construído   Teatro Novo, na Rua Gomes Freire, que mais tarde veio a abrigar a TVE.

O Teatro Novo era  um teatro belíssimo. Neste último festival, tínhamos um júri presidido pelo  Embaixador Donatello Grieco e que  incluía Gianni Ratto, Walmyr Ayala, Hermilo Borba Filho e Tatiana Memória.

Os Festivais ofereciam prêmios.  No III Festival o 1º lugar ficou com  Virgínia Valli e Seu Grupo com o espetáculo Esse Boi é de Morte, 2º lugar: Teatro Folclórico de Fantoches, do Paraná e 3º lugar Teatro de Ilo e Pedro, Rio de Janeiro. Os componentes do Teatro de Ilo e Pedro não aceitaram o resultado e fizeram um protesto no momento da premiação.

O Embaixador Donatello Grieco que na época era responsável pela parte cultural do Itamaraty, ficou muito aborrecido com a atitude do grupo e com a falta de respeito ao nosso trabalho e nos ofereceu a possibilidade de fazer uma oficina em qualquer parte do mundo.  Apesar de que os Estados Unidos não tinham muita tradição em marionetes pesquisei e descobri o Bil Baird Marionette Theater, em Nova York. Fomos aceitos para um estágio de 40 dias durante a montagem do Mágico de Oz! O Bil Baird Theater ocupava um edifício de cinco andares em Manhattan, mais precisamente em Greenwich Village. No térreo havia um teatro de 180 lugares,  especialmente construído para marionetes e nos outros andares se distribuíam oficinas, biblioteca, residência.

Bonecos Catarina e Mateus

O Cláudio se enturmou na parte de confecção e manipulação e eu, obviamente fui aprender produção, como funcionava a bilheteria, e outras coisas de administração.

Em New York eu e o Cláudio compramos algumas marionetes na famosa loja de brinquedos FAO Schwarz na 5ª Avenida.  Quando voltamos ao Brasil ele começou a confeccionar seus próprios marionetes. Montamos um espetáculo chamado  Circo de Marionetes do Palhaço Malmequer e nos apresentamos em clubes, escolas.

Mais tarde estreamos no Teatro Copacabana Palace. Eu já tinha trabalhado no hotel na organização de congressos, eventos, festas. Procurei então o Oscar Ornstein, famoso Relações Públicas, e o convenci de que eles tinham que abrir um horário infantil no Teatro.   Foi um sucesso. No mesmo período, a Fernanda Montenegro estava fazendo, à noite, Plaza Suite de Neil Simon, com Jorge Dória e Sandra Bréa. Um dia ela me chama e pergunta o que eu fazia para lotar o teatro?  Francamente não soube responder.  Acredito que o fato de naquela época termos livre acesso às redações dos jornais e emissoras televisão era mais fácil divulgar, ao mesmo tempo em que o charme do Copacabana Palace por si só já era uma atração.

Conseguimos a concessão do Teatro Mesbla e também nos dedicamos à produção de espetáculos adultos, podendo destacar: , com Paulo Goulart e Os Últimos, de Gorki.

Também concorremos e ganhamos um edital chamado PAC – Programa de Ação Cultural e compramos um trailer para apresentar O Auto do Boi Guerreiro, na sua versão bonecos. Viajamos pelo Centro-oeste, depois Norte e depois para o Sul. Quando acabou essa viagem, o Cláudio me falou como seria bom viajar com uma lona e apresentar o espetáculo num circo. Falei então: “Vamos comprar, vamos arriscar.”

Colonia de Férias, 1985

E o Circo vira Bem-me-Quer

Cartaz do Circo de Marionetes do Palhaço Mal-me-Quer

Procuramos o Thiany, que estava na Praça Onze.  Ele nos mostrou todas as dependências do Circo e nos deu um contato da pessoa que fazia lonas para ele. Fui a São Paulo e acabei comprando uma lona. Liguei para o Embaixador Wladimir Murtinho em Brasília, e ofereci a novidade que era o circo.  Não sei como conseguimos estrear em janeiro 1979 o “Circo de Marionetes Malmequer”, com uma lona azul e laranja, com capacidade para 600 pessoas.  Fomos para Brasília, para ficar um mês e acabamos ficando um ano. Meu marido já estava se incomodando com a minha demora, embora eu sempre voltasse para o Rio ou ele fosse me ver em Brasília. Um belo dia ele me comunicou que havia  pedido demissão do trabalho e foi ficando, ficando, acabou se integrando ao Circo. Aí viajamos nove anos seguidos. Mas as coisas começaram a ficar difíceis, uma cidade dava mais, outra menos, até que encalhamos em Jundiaí.  Quando nasceu nossa neta achamos que estava na hora de  voltar para casa.

Fizemos uma ultima tentativa no Rio, mas acabou não dando certo. O Cláudio Ferreira recebeu uma proposta de trabalho e resolveu aceitar para trabalhar no Recife, com a Madre Escobar, no CECOSNE (Centro de Comunicação Social do Nordeste).  Ele aceitou, pensando que eu continuaria com o Circo até ele voltar. O sonho era dele, eu só carregava o piano, então terminou assim a trajetória do Circo de Marionetes Malmequer.

De volta ao Rio tive que procurar um emprego, pois estava sem tostão.  Além do mais comecei a me preocupar com minha aposentadoria. Resultado, acabamos voltando para os Estados Unidos, para tentar ganhar um pouco mais, em dólar. Mas não deu muito certo, pois apesar de um currículo muito bom, não entendia nada de computador e isso era essencial naquele momento. Voltei a estudar e fiz um curso de computação e acabamos voltando para o Brasil. O curso não serviu de nada, pois os programas aqui utilizados eram totalmente diferentes.

Antes e depois do Circo de Marionetes Malmequer me dediquei bastante ao desenvolvimento de teatro de bonecos no Brasil. Em 1973 fundamos a Associação Brasileira de Teatro de Bonecos – ABTB e demos continuidade aos festivais interrompidos em 1968. Foram realizados o IV em Curitiba, V no Recife, VI em Brasília. Fui convidada para representar a Union Internationale de la Marionette (UNIMA)  no Brasil.  Foi lançada a Revista Mamulengo.

Comecei a me interessar pela associação estadual – Associação Rio de Teatro de Bonecos – ARTB.  Assumi a Presidência durante duas gestões, totalizando oito anos.  Nesse período foram realizados muitos projetos, encontros, seminários e festivais:  1º Fest-Rio de Teatro de Bonecos, ocupando o Teatro João Caetano e o Glauce Rocha, o Fest- Rio de Teatro de Bonecos (segunda edição), o  BONECART III – Mostra Regional  de Teatro de Animação, realizada em Cabo Frio.

No Rio reencontrei o Gabriel Bezerra, discípulo de Cláudio Ferreira, que estava criando belíssimas marionetes e com uma destreza fantástica para a manipulação.  Produzimos então o espetáculo Fios Mágicos, com o qual nos apresentamos em diversos festivais e mostras, inclusive participando do 10ª Mostra SESC CBTIJ.

Sinto que está na hora de fazer outro tipo de produção.  Acabo de escrever toda minha história vivida no Circo e estou em busca de uma editora. Certamente faltou muito o que contar nesta entrevista, mas os detalhes, principalmente os do Circo, poderão ser lidos em breve no meu livro.  Meu caminho de escritora está se abrindo e estou, também, registrando a história da ABTB. 

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Participação em Espetáculos para Crianças e Jovens

Como Atriz

1964 – A Menina e o Mágico, de Cláudio Ferreira
1965 – Auto do Boi Guerreiro, de Cláudio Ferreira (atriz manipuladora)
1982 – Viva a Nau Catarineta, de Altimar Pimentel (atriz manipuladora)
1983 – Circo de Marionetes Malmequer / Bem-Me-Quer (apresentadora e atriz manipuladora)

Como Produtor

1964 – A Menina e o Mágico, com Cláudio Ferreira
1979 – Ano Internacional da Criança, Inaugura pavilhão de lona do Circo de Marionetes Malmequer em Brasília, DF
2002 – O Soberano da Folia, texto e direção Fernando Sant’Anna, Programa de Apoio às Artes Cênicas – PROCENA
2008 – Fios Mágicos, com o marionetista Gabriel Bezerra


2008 – Fios Mágicos, com o marionetista Gabriel Bezerra

Participação em Espetáculos Adultos

Como Atriz

1958 – Deus lhe Pague, de Joracy Carmargo
1958 – Beata Maria do Egito, de Rachel de Queiroz
1963 – As Máscaras, de Menotti del Picchia

Como Produtor

1957 – A Sua Imagem, de Pierre Lescure, apresentado no Jardim do Palácio Guanabara
1963 – Fantasias (Pantomimas, com Claudio Ferreira e As Máscaras, de Menotti Del Picchia), direção Jorge Kossowaki, Clube dos Decoradores
1964 – Bonito, Bonito é o Colibri, de Lôbo Júnior, direção Claudio Ferreira, Arena Clube de Arte
1965 – O Auto do Boi Guerreiro, com Grande Othelo, Arena Clube de Arte
1967 – Um mais Um é Igual a Dois (O Crime do Homem dos Passarinhos e Grande Othelo de Corpo Inteiro), direção de John Procter, Arena  Clube de Arte
Samba Prontidão e Outras Bossas, com Aracy de Almeida, Arena Clube de Arte
O que é o Variety? , com Grande Othelo, com Niltinho com Tristeza, Arena Clube de Arte
Revival dos “Anjos do Inferno”, com Leo Villar, Arena  Clube de Arte
1970 – Lá, de Sergio Jockymann,  com Paulo Goulart, Teatro Mesbla
Os Últimos, de Máximo Gorki, direção Carlos Murtinho, Teatro Mesbla

Participação na Área de Teatro de Bonecos

1966 a 1969 – Responsável pela inauguração do Teatro de Marionetes e Fantoches  Carlos Werneck de Carvalho, no Parque do Flamengo, pela sua programação,  e responsável pela reinauguração desse mesmo teatro quando sob a administração do Parques e Jardins

1969 – Como empresária excursionou de norte a sul do Brasil com duas grandes e tradicionais companhias internacionais:  Petit Théâtre de Paris, remanescente dos Piccoli di Podreca, 1968,  e Cia. Internacional de Marionetes Rosana Picchi

1969 – Estágio no Bil Baird Marionettes em New York sob auspícios do Ministério de Relações Exteriores

1973 – Fundadora da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos (ABTB)

Secretária da publicação e um dos responsáveis pela criação da Revista Mamulengo, SNT, do nº 01 ao 05.

1972 – Primeira representante da Union Internationale de la Marionette (UNIMA) no Brasil

1976 – Responsável  pela transformação da ABTB em Centro UNIMA

1976 – Acompanha trabalho de Albrecht Roser (marionetista) na TV de Stuttgart.  A convite do governo francês 15 dias em Paris para observar o movimento de teatro

1999 – Presidente da Associação Rio de Teatro de Bonecos – ARTB, 1999/2003 e reeleita para o período 2003/2007

Eventos, Mostras e Festivais

Como Organizadora e Coordenadora Geral

1966 – I Festival de Teatro de Marionetes e Fantoches no Rio de Janeiro

1967 – II Festival de Teatro de Marionetes e Fantoches no Rio de Janeiro

1968 – III Festival de Teatro de Marionetes e Fantoches no Rio de Janeiro

1975 – IV Festival Internacional de Teatro de Marionetes e Fantoches em Curitiba

1976 – V Festival internacional de Teatro de Marionetes e Fantoches em Recife

1977 – VI Festival Internacional de Teatro de Marionetes e Fantoches, em Brasilia

(Paralelamente aos três últimos Festivais aconteceram o I, II e III Congressos da ABTB)

1989 –  2º BONECARTE & Festival Rio de Teatro de Animação,  Cabo Frio

2004 – 1º FEST-RIO de Teatro de Bonecos realizado no Rio de Janeiro (T. J. Caetano e G. Rocha), realização ARTB

2006 – 3º BONECART – Mostra Regional de Teatro de  Animação, Cabo Frio, realização ARTB

2007 – 2º FEST-RIO de Teatro de Bonecos, Teatro Duse, Casa de Paschoal C. Magno, realização ARTB

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Depoimento dado à Antonio Carlos Bernardes, em Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, em 08 de dezembro de 2015